Cappuleto X Montecchio: precisa ser assim?

Autor:  Pedro Luis Kantek Garcia Navarro- GPT


Não é novidade para ninguém a necessidade de controles rigorosos no processo de compras por parte dos órgãos de governo. O antigo DL 2300 e o novo decreto que o substituiu são esforços no sentido de tornar transparente tais atividades. O escândalo dos anões do orçamento está aí para nos mostrar que transparência (assim como cautela e caldo de galinha) nunca é em excesso, nem faz mal seja em que circunstância for.

Certamente este texto não sugere, nem de leve, que as coisas não devam ser assim. O que pretendemos descrever é quão caro custa ao Governo este procedimento. Não se fala aqui de custos financeiros (já que pela lei, o Govemo sempre compra o mais barato), mas sim nos entraves ao funcionamento deste mesmo Governo que este estado de coisas traz.

Esta análise parte das premissas de administração moderna, baseando-se nos paradigmas que estão revolucionando o mundo dos negócios neste finzinho de século XX (OPT=optimizer, JIT=just-in-time, TQM=Gerenciamento pela Qualidade Total e outros conceitos associados) e de como tais premissas têm dificuldade de conviver com a empresa pública. Um resumo dessas idéias poderia ser "sua empresa não termina mais nos portões da sua fábrica".

É ponto consensual que não adianta otimizar uma empresa, se nada for feito sobre os insumos que entram nela.

A outra ponta, a dos clientes, está se educando de per si (como algumas empresas estão dolorosamente descobrindo), mas qualquer programa de melhoria de qualidade (por exemplo) precisa compreender também seus fornecedores.

Por exemplo, vamos ver o que prega a filosofia JUST IN TIME, que está revolucionando empresas em todo o mundo:

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Não negocie de tal maneira que seus fornecedores não tenham lucro (serão incapazes de investir em melhoramentos).
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Não retenha informações sobre planos de capacidade, produção, demanda (talvez o fornecedor projete, compre, monte ou envie cedo ou tarde demais).
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Especifique claramente suas exigências (possibilite a seu fornecedor garantir a qualidade na fonte).
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Compartilhe seu conhecimento sobre as melhores práticas de negócio (repetindo: seu fornecedor é aliado e não inimigo).
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Não procure incessantemente novos fornecedores (e muito menos um diferente a cada compra: isto gera um eterno começo, sem progresso no aprendizado).
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Não tenha relutância nem falta de interesse em manter contatos próximos (você não é adversário dos seus fornecedores).

A compra através de concorrência é inadequada, nesta ótica, pois gera clima de desconfiança e obriga a manter diversos fornecedores para um mesmo item. Além disso, se clientes e fornecedores ficam se avaliando mutuamente, os custos internos de ambos tendem a subir, bem como os estoques tanto num quanto noutro.

Quando se diminui a base de fornecedores (idealmente chegando a apenas 1) os seguintes resultados podem ser alcançados:

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Os volumes vendidos serão muito maiores (diminuição de custos internos).
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Contratos de longo prazo substituem ordens de compra de curto prazo (aumenta a segurança).
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O fornecedor é treinado, recebe informações de planejamento e pode otimizar seu próprio processo.
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Fretes podem ser compartilhados entre fornecedores e entre clientes.
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E, finalmente, otimizações interempresas (as que tem maiores potenciais de benefício) podem ser empreendidas com sucesso.

Terminaremos citando o professor Hammer, que em seu livro "Reengenharia" mostra a seguinte história real:

"No início dos anos 80 a FMC (Ford Motor Company) buscava formas de reduzir seus custos. Uma das áreas atacadas era o departamento de contas a pagar que empregava mais de 500 pessoas. Usando o computador, os executivos esperavam baixar este número em 20% o que parecia bastante adequado. Nesse ponto a FMC comprou 25% da MAZDA, e para surpresa dos executivos da FORD na empresa japonesa apenas 5 pessoas trabalhavam nas contas a pagar. Diante disto, as idéias de redução em 20% foram abandonadas e se iniciou um profundo processo de reengenheirar as compras da FORD.

O antigo processo era convencional: o departamento de compras emitia uma ordem de compra ao fornecedor e enviava uma cópia ao departamento de contas a pagar. Quando os produtos chegavam na FORD, um empregado preenchia um documento descrevendo o produto que chegou e o remetia ao departamento de contas a pagar. O fornecedor enviava ao mesmo departamento uma fatura. Chegavam 3 documentos (pedido, recebimento e fatura) referentes ao mesmo negócio: quando eles combinavam, o pagamento era feito. Mas, muitas vezes, eles não combinavam, e aí começavam as dores de cabeça.

O novo processo é diferente: quando o pedido é emitido ao fornecedor ele vai para um banco de dados (BD) também. Quando a remessa chega, o recebedor consulta o BD para saber se existe este pedido pendente. Se existir recebe-se e paga-se. Se não existir, o próprio recebedor recusa a remessa e a devolve ao fornecedor.

A melhora? Hoje o departamento tem 125 pessoas, e em algumas divisões da FORD, onde estes conceitos estão mais adiantados, o efetivo de compras é apenas 5% do que era. A mudança veio após uma pequena modificação conceitual: em vez de "pagamento após receber a fatura" agora é "pagamento após receber a mercadoria".

Nas fábricas de caminhões, a FORD implementou nova mudança. Em vez de "pagamento após receber a mercadoria" ela disse "pagamento após usar a mercadoria". Por exemplo, a empresa chamou o fornecedor de freios e disse: "Gostamos de seus freios e continuaremos instalando-os nos nossos caminhões, mas até que o façamos os freios são seus e não nossos. Cada vez que um caminhão sair da linha de montagem, remeteremos o cheque correspondente". Esta mudança simplificou mais ainda os processos de compras, reduziu estoques e melhorou o fluxo de caixa. Só que para isso, outra regra de ouro teve que ser rompida: a que mandava ter múltiplos fornecedores de freio. Agora ele é um só. E o que o fornecedor de freios ganhou?

Ele agora recebe todos os pedidos de freios, em vez de apenas alguns e tem acesso à programação computadorizada da FORD. Não precisa confiar nas previsões da sua própria equipe de vendas (que por sinal também pode ser bem reduzida)."

Voltando a nossas famílias Montecchio e Cappuleto. Será que precisa ser assim? Será que os benefícios e as vantagens de trabalhar desta maneira otimizada estão definitivamente afastados das empresas
públicas?

Bem, não há como negar o problema: a transparência é uma necessidade nos negócios públicos. A necessidade de transparência obriga a ritos de compras demorados e custosos. Cabe à sociedade tomar ciência deste fato e buscar mecanismos que sem diminuir a transparência permitam que as empresas públicas possam auferir algum benefício de cadeias cliente-fornecedor mais ricas e rígidas.

Cabe às empresas também não esmorecer em sua busca de qualidade, a despeito das restrições que elas sofrem. Tais restrições precisam ser encaradas não como maldições insuperáveis, mas como mecanismos legítimos da sociedade e dificuldades que precisam ser estudadas, trabalhadas e finalmente superadas.