Celepar 35 Anos
Recadastramento Eleitoral
Autor:
Pedro Luis Kantek Garcia Navarro– GAC
O ano é 1986. Estamos deixando um período de mais de 20 anos de ditadura.
Recém faleceu Tancredo Neves, Sarney é o presidente e o saudoso Ulisses Guimarães comanda a Assembléia Constituinte.
Uma das primeiras providências da Justiça Eleitoral é definir um recadastramento. Estimava-se em milhões o número de títulos eleitorais de origem duvidosa, de proprietário mais duvidoso ainda ou simplesmente falsos. Havia que se acabar com os grotões e os currais eleitorais ainda bastante abundantes em nosso país.
Para tanto, cria-se o novo título eleitoral. Um papelzinho verde, emitido por computador que em nada lembra o papelzão que era o título anterior. O meu tinha uns 200 gramas de fita adesiva, colando os inúmeros pedaços, mas com que orgulho eu botava ele no bolso, e sempre com todo o cuidado.
Como mais ou menos tudo nesse nosso país, a eleição era daqui a uns meses, e o recadastramento começou ontem: ou se corria ou se voava, não havia alternativa. A direção da CELEPAR comprou um lote de 40 micros XT, a toque de caixa. (depois seriam mais 3 lotes, cada um também de 40 micros). Ainda não eram estes tempos em que micros se compram como bananas, às dúzias. Naquele tempo 3 micros já era uma compra imensa, imagine 40.
Não havia programa, não havia conversor de códigos, não havia infra-estrutura, não havia pessoal, mas havia -- e isso havia de sobra -- vontade de agarrar o touro à unha. Havia também um analista sóbrio e discreto, mas que nessas horas mostra seu valor imenso: é claro que se fala do mestre Muller. Que imediatamente foi chamado a dar conta do recado. Enquanto essas tratativas aconteceram os disquetes iam se acumulando. Imaginem 40 micros trabalhando em 4 turnos diários e cada turno em cada máquina gerando vários disquetes por dia.
Usávamos naquela época, um programa para mainframe chamado VIDEO370, que simplesmente recolhia dados digitados nos terminais 3270 e os guardava em disco. Pois o Muller, escreveu um programa que rodava num micro e o fazia se comportar como se este fosse um terminal burro 3270.
O VIDEO enxergava na ponta da conexão um digitador como outro qualquer. Só que este era um programa que lia os disquetes e os transmitia ao mainframe. Esta solução surgiu no mínimo 3 anos antes desses programas passarem a existir no mercado e certamente mais de 5 anos antes deles serem famosos.
Só esqueceram de avisar a Shiguemi, nossa valorosa chefe da digitação da época. Um dia ela -- com ar preocupado -- veio perguntar ao Muller, quem era aquele digitador chamado RECADAST. Enquanto os melhores digitadores humanos faziam 16.000, até 18.000 toques por hora, aquele fenômeno fazia 60.000, e sem nunca cometer qualquer erro? Quem era aquele fenômeno? A Shiguemi precisava conhecê-lo...
Montou-se uma estrutura imensa, coordenada na época pelo Alfredo Reimann, que no prédio preto em frente à sede, funcionando 24 h por dia, gerava títulos e mais títulos eleitorais.
Tanta foi a vazão do esquema formado, que algumas semanas para a frente, começamos a ser consultados por outros estados brasileiros: a maioria das empresas estaduais refugou o serviço alegando falta de tempo, e nós aproveitamos para faturar uns trocados fora de nossas fronteiras estaduais.
Cabe lembrar que a CELEPAR havia desenvolvido, quatro anos antes, um projeto de Cadastramento de Eleitores para o TRE do Paraná, nos moldes do projeto utilizado para informatização do Cadastro do Instituto de Identificação. Este projeto não pôde ser executado por força de restrição legal, mas ele nos dava um diferencial sobre as nossas congêneres e a coragem para enfrentar a empreitada.
Finalmente, no dia e hora aprazados, os cerca de 6.000.000 de títulos estavam trocados e entregues aos seus destinatários. Como nota pitoresca, vale o registro de que os 6.000.000 de títulos eleitorais estavam assinados pelo presidente do Tribunal Regional Eleitoral - TRE. É claro que o formulário (e a assinatura) eram pré-impressos. Pois uma semana depois da entrega, chegou no TRE (por coincidência eu estava lá, ninguém me contou, ví com esses olhos etc etc), uma parenta do presidente do TRE, bem velhinha, querendo reclamar com ele. O problema? O nome dela estava errado, havia um "Y" a mais no sobrenome quilométrico, e como é que o presidente não havia reparado antes de assinar?
Para encerrar o registro, foram produzidos mais 2.500.000 títulos para outros estados. Ao final da história, tínhamos um parque de 240 micros levemente gastos mas ainda em plenas condições de uso. Estes foram distribuídos pelo Estado, e certamente esse episódio, nos idos de 86, ajuda a explicar como e porquê o Governo do Paraná se informatizou tão rápido e tão bem.
Autor:
Pedro Luis Kantek Garcia Navarro– GAC
O ano é 1986. Estamos deixando um período de mais de 20 anos de ditadura.
Recém faleceu Tancredo Neves, Sarney é o presidente e o saudoso Ulisses Guimarães comanda a Assembléia Constituinte.
Uma das primeiras providências da Justiça Eleitoral é definir um recadastramento. Estimava-se em milhões o número de títulos eleitorais de origem duvidosa, de proprietário mais duvidoso ainda ou simplesmente falsos. Havia que se acabar com os grotões e os currais eleitorais ainda bastante abundantes em nosso país.
Para tanto, cria-se o novo título eleitoral. Um papelzinho verde, emitido por computador que em nada lembra o papelzão que era o título anterior. O meu tinha uns 200 gramas de fita adesiva, colando os inúmeros pedaços, mas com que orgulho eu botava ele no bolso, e sempre com todo o cuidado.
Como mais ou menos tudo nesse nosso país, a eleição era daqui a uns meses, e o recadastramento começou ontem: ou se corria ou se voava, não havia alternativa. A direção da CELEPAR comprou um lote de 40 micros XT, a toque de caixa. (depois seriam mais 3 lotes, cada um também de 40 micros). Ainda não eram estes tempos em que micros se compram como bananas, às dúzias. Naquele tempo 3 micros já era uma compra imensa, imagine 40.
Não havia programa, não havia conversor de códigos, não havia infra-estrutura, não havia pessoal, mas havia -- e isso havia de sobra -- vontade de agarrar o touro à unha. Havia também um analista sóbrio e discreto, mas que nessas horas mostra seu valor imenso: é claro que se fala do mestre Muller. Que imediatamente foi chamado a dar conta do recado. Enquanto essas tratativas aconteceram os disquetes iam se acumulando. Imaginem 40 micros trabalhando em 4 turnos diários e cada turno em cada máquina gerando vários disquetes por dia.
Usávamos naquela época, um programa para mainframe chamado VIDEO370, que simplesmente recolhia dados digitados nos terminais 3270 e os guardava em disco. Pois o Muller, escreveu um programa que rodava num micro e o fazia se comportar como se este fosse um terminal burro 3270.
O VIDEO enxergava na ponta da conexão um digitador como outro qualquer. Só que este era um programa que lia os disquetes e os transmitia ao mainframe. Esta solução surgiu no mínimo 3 anos antes desses programas passarem a existir no mercado e certamente mais de 5 anos antes deles serem famosos.
Só esqueceram de avisar a Shiguemi, nossa valorosa chefe da digitação da época. Um dia ela -- com ar preocupado -- veio perguntar ao Muller, quem era aquele digitador chamado RECADAST. Enquanto os melhores digitadores humanos faziam 16.000, até 18.000 toques por hora, aquele fenômeno fazia 60.000, e sem nunca cometer qualquer erro? Quem era aquele fenômeno? A Shiguemi precisava conhecê-lo...
Montou-se uma estrutura imensa, coordenada na época pelo Alfredo Reimann, que no prédio preto em frente à sede, funcionando 24 h por dia, gerava títulos e mais títulos eleitorais.
Tanta foi a vazão do esquema formado, que algumas semanas para a frente, começamos a ser consultados por outros estados brasileiros: a maioria das empresas estaduais refugou o serviço alegando falta de tempo, e nós aproveitamos para faturar uns trocados fora de nossas fronteiras estaduais.
Cabe lembrar que a CELEPAR havia desenvolvido, quatro anos antes, um projeto de Cadastramento de Eleitores para o TRE do Paraná, nos moldes do projeto utilizado para informatização do Cadastro do Instituto de Identificação. Este projeto não pôde ser executado por força de restrição legal, mas ele nos dava um diferencial sobre as nossas congêneres e a coragem para enfrentar a empreitada.
Finalmente, no dia e hora aprazados, os cerca de 6.000.000 de títulos estavam trocados e entregues aos seus destinatários. Como nota pitoresca, vale o registro de que os 6.000.000 de títulos eleitorais estavam assinados pelo presidente do Tribunal Regional Eleitoral - TRE. É claro que o formulário (e a assinatura) eram pré-impressos. Pois uma semana depois da entrega, chegou no TRE (por coincidência eu estava lá, ninguém me contou, ví com esses olhos etc etc), uma parenta do presidente do TRE, bem velhinha, querendo reclamar com ele. O problema? O nome dela estava errado, havia um "Y" a mais no sobrenome quilométrico, e como é que o presidente não havia reparado antes de assinar?
Para encerrar o registro, foram produzidos mais 2.500.000 títulos para outros estados. Ao final da história, tínhamos um parque de 240 micros levemente gastos mas ainda em plenas condições de uso. Estes foram distribuídos pelo Estado, e certamente esse episódio, nos idos de 86, ajuda a explicar como e porquê o Governo do Paraná se informatizou tão rápido e tão bem.