Chantagem tecnológica ou adequação tecnológica

Autor: Alberto Pucci Junior


Estou fazendo mestrado em Sistemas de Informação na London School of Economics and Political Science da Universidade de Londres, e resolvi escrever este artigo para o Bate Byte para antecipar a resposta à pergunta que encontrarei com mais freqüência quando retornar à Celepar: "Qual é o estado da arte na Inglaterra?". Infelizmente, para os que esperam uma descrição das maravilhas da tecnologia, a minha resposta vai ser um pouco diferente.

Esta obsessão pela tecnologia e seu estado da arte não é apenas culpa dos nossos técnicos e usuários, mas é fomentada pela propaganda dos fabricantes que sugerem que se adquirirmos a última geração de seus produtos, todos os nossos problemas estarão bem atendidos, os funcionários mais produtivos e mais satisfeitos com o trabalho e a empresa obterá vantagem competitiva sobre a concorrência. Iso é o que chamo de chantagem tecnológica e não é apenas exclusividade de países como o Brasil. Aqui, por exemplo, esta obsessão é refreada através de uma norma, dizendo que órgãos do governo não podem adquirir software com menos de seis meses de lançamento.

A principal dificuldade é que não compreendemos bem a natureza dos sistemas de informação e dos problemas os quais nos propomos a resolver. Muitos dos métodos, técnicas, ferramentas e produtos que vemos anunciados em revistas especializadas são soluções em busca de problemas. para efetivamente realizarmos os benefícios da moderna tecnologia da informação que inclui a computação microeletrônica e telecomunicações, precisamos encontrar o balanço entre seus riscos e oportunidades, levando-se em consideração aspectos sociais, organizacionais e gerenciais.

Em primeiro lugar, temos que considerar a adequação da tecnologia ao nosso ambiente social e cultura. Os computadores não são neutros e nem um patrimônio da humanidade que precisa ser democraticamente espalhado pelo mundo como proclamam os gurus da informática. Eles são um produto da cultura ocidental, da cultura dos países norte-industrializados e têm as mesmas origens da burocracia e da divisão de trabalho que separou a performance do controle e permitiu a racionalização e automatização dos processos na revolução industrial. As mesmas características podem ser encontradas na ciência ocidental que acredita em ma realidade objetiva e racional e nos leva a crer que podemos encapsular o conhecimento em sistemas especialistas independentemente de seu referencial.

O segundo ponto a considerar é a natureza da informação e do conhecimento e o papel do computador como meio de comunicação. Partindo-se do princípio de que não existe uma realidade objetiva, a interpretação do mundo que nos cerca depende da cultura e dos valores do grupo social ao qual pertencemos. Os sinais que recebemos através de nossos sentidos se transformam em informação, dependendo do significado que lhes atribuímos. Portanto, podemos descrever sistemas de informação como sistemas sociais que vão muito além do simples uso de computadores.

Os sistemas de informação podem ser informais ou formais. Nos sistemas formais, as regras de comportamento são formalizadas em legislação, contratos ou normas e procedimentos. Os sistemas formais são uma parte dos sistemas informais e os sistemas de computador são capazes de automatizar apenas uma parte do sistema formal.

Aplicando-se estes princípios aos computadores, estes recebem, como entrada, sinais e geram como saídas, sinais manipulados. Estes sinais só se transformam em informação quando interpretados por um agente sobre o qual é atribuída a responsabilidade de definir o seu significado.

As idéias lançadas acima têm base na antropologia lingüística e na semiótica e são importantes na medida em que nos ajudam a criar um conjunto adequado de critérios sobre formalização e automação de processos, utilizando-se a tecnologia da informação. O uso indiscriminado de computadores e a formalização excessiva das atividades dentro das organizações é a principal fonte de problemas enfrentados elas empresas no uso desta tecnologia.

Para confirmar, basta olhar nos jornais onde diariamente encontramos histórias de horror expondo falhas, ineficiência, burocracia e desperdício no uso de sistemas de informação baseados em computadores. Por exemplo: acidentes aéreos, vazamento em usinas nucleares, milhões de dólares transferidos por acidente de um banco para outro, uma mulher matou o filho e tentou o suicídio ao receber a notícia de que estava com uma doença incurável, sendo que na realidade era falha do sistema. E tudo isto porque confiamos em computadores e nas "informações" fornecidas por eles.

Portanto, é importante que antes de pensarmos em tecnologia e seu estado da arte, tenhamos uma idéia bem clara dos aspectos sociais e culturais da organização e seus problemas, e das reais dimensões dos sistemas de informações que vão muito além do hardware e software.

Para concluir este artigo, gostaria de ressaltar que a Celepar possui um conhecimento muito grande dos aspectos políticos, culturais e humanos e gerenciais da administração pública e suas necessidades de informação, o qual, associado à experiência e conhecimento técnico na área de informática permite definir uma arquitetura de sistemas abertos com normas, procedimento e padrões mínimos de qualidade. Esta estrutura, se utilizada adequadamente em conjunto com o poder de compras do Estado, não só estimularia o uso eficiente e eficaz da tecnologia da informação, mas permitiria o desenvolvimento da indústria local de hardware e software, bem como dos centros de pesquisa e do meio acadêmico do Estado do Paraná. Assim, através da adequação da tecnologia às necessidades do Serviço Público, alcançamos o estado da arte sem sucumbirmos aos apelos da chantagem tecnológica.

Desta maneira, a Celepar deixa de ser uma mera empresa de processamento de dados e passa a assumir seu nobre papel como órgão implementador e revisor da Política Estadual de Informática, promovendo direta ou indiretamente o desenvolvimento sócio-econômico do Paraná e o bem-estar do cidadão.