Cultura e Ética Organizacional
O tema “As Organizações e A Teoria Organizacional” foi tratado em algumas edições anteriores do BateByte em 2002. Os primeiros artigos divulgados abordaram as questões básicas sobre o que são as organizações e por que elas existem, a finalidade da teoria organizacional e sua relação com o desenho organizacional, como os gerentes podem usar a teoria e o desenho organizacional para tornarem as empresas mais eficientes. Na seqüência, foram tratados com mais detalhes os aspectos do desenho da estrutura organizacional com relação as dimensões vertical e horizontal da estrutura: Hierarquia de Autoridade, e Especialização e Coordenação, respectivamente. Os desafios de desenhar a estrutura organizacional de forma a atingir os objetivos dos stakeholders, como controlar os recursos humanos, financeiros e físicos, como coordenar as atividades para motivar as pessoas e maximizar a habilidade da organização para criar valor foram questões discutidas.
Retomando, este artigo discute a cultura organizacional, seu conceito, seus valores e normas, como as pessoas aprendem a cultura e os fatores que influem nas diferenças culturais entre as organizações. Assim como a estrutura, a cultura organizacional também pode ser desenhada e gerenciada.
Ressalta-se que esses textos são baseados no livro Organizational theory: text and cases, do autor Jones Gareth e foram produzidos como forma de estudo e aprendizagem da disciplina Teoria das Organizações, do Mestrado em Administração da PUC.
A Cultura Organizacional é um conjunto de valores e normas que controlam as interações dos membros da organização entre si e com as pessoas externas, como fornecedores e clientes. Pode ser usada para alcançar vantagem competitiva e para promover os interesses dos stakeholders , uma vez que controla como as pessoas se comportam, tomam decisões e gerenciam o ambiente organizacional.
Valores são critérios gerais, padrões ou princípios que as pessoas utilizam para determinar quais comportamentos, eventos e situações são desejáveis ou indesejáveis. Valor terminal é uma situação final que as pessoas desejam alcançar e pode estar refletido na missão e objetivos oficiais da empresa. Excelência, confiabilidade, lucratividade, inovação, economia, qualidade e moralidade são exemplos que devem ser adotados como princípios de orientação. Valor instrumental é um modo de comportamento desejável, por exemplo, trabalhar pesado, respeitar tradições e autoridade, ser conservador e cuidadoso, ser criativo, corajoso e honesto, aceitar riscos e manter os padrões altos. A cultura organizacional consiste em uma combinação de seus valores terminais e instrumentais, podendo tender para ser mais conservadora ou empreendedora.
Muitos valores importantes não estão escritos, existindo apenas na forma de pensar, agir e no jeito de enfrentar os problemas que as pessoas aprendem umas com as outras e que são consistentes com os valores aceitáveis pela empresa.
Valores e normas influenciam fortemente o comportamento das pessoas. A cultura organizacional, baseada nos valores incorporados em suas normas, regras, procedimentos operacionais e objetivos orientam as pessoas em suas ações, decisões e comportamentos e são também facilitadores para o ajuste mútuo, pois fornecem um ponto de referência comum auxiliando a interação entre os membros da organização.
A Cultura Organizacional é transmitida à medida que as pessoas aprendem os valores com as práticas formais de socialização e com as estórias, cerimônias e linguagem organizacional que se desenvolvem informalmente com o amadurecimento de sua cultura.
Socialização e Táticas de Socialização
Os novos empregados, para serem aceitos, devem aprender os valores e normas que orientam o comportamento de seus membros e agir de acordo com essas normas. Eles podem obter informações sobre esses valores indiretamente, através da observação do comportamento dos membros atuais inferindo o que é apropriado ou não.
Para a organização, a socialização (processo de aprendizagem e internalização de normas da cultura organizacional) é a forma mais efetiva de aprendizagem. Orientação por papel é a maneira que os novatos respondem a uma situação ou buscam soluções. Existem algumas táticas de socialização que influenciam a orientação por papel, que poderá ser institucionalizada ou individualizada. A orientação institucionalizada é quando os indivíduos aprendem a responder a um novo contexto da mesma forma que os membros atuais o fazem; ela incentiva a obediência e a conformidade com regras e padrões. A orientação individualizada é quando os indivíduos são incentivados a serem criativos e a experimentarem mudanças nas normas e valores.
Algumas táticas usadas para socialização de novatos, contrastando a orientação institucionalizada com a individualizada, são: coletiva ou individual; formal ou informal; seqüencial ou randômica; fixa ou variável; serial ou disjuntiva. A escolha entre uma socialização mais institucionalizada ou mais individualizada depende da missão da organização. Uma empresa que queira padronizar a maneira que seus empregados desempenham suas atividades precisa de um programa de socialização forte que reforce seus valores culturais. Já uma organização cuja missão é produzir produtos inovadores deve incentivar as experiências informais e randômicas nas quais seus membros vão obtendo as informações necessárias realizando seu trabalho. Assim, as práticas de socialização não só influem no aprendizado dos valores culturais como também suportam a missão organizacional.
Histórias, Ritos e Linguagem Organizacional
Os valores culturais estão sempre evidenciados em histórias e na linguagem da organização e podem ser comunicados através de diversos tipos de ritos: rito de passagem, usado quando um indivíduo entrada ou sai da empresa; ritos de integração, usados para construir vínculos comuns entre os membros da empresa; ritos de intensificação, para motivar o comprometimento com as normas e valores.
A linguagem e as histórias são importantes meios para a comunicação da cultura, fornecendo pistas sobre valores e normas. O estudo das histórias e linguagem pode revelar os valores que orientam o comportamento. O conceito de linguagem organizacional engloba também a maneira das pessoas se vestirem, os escritórios que ocupam, como elas se tratam formalmente. Os símbolos organizacionais transmitem os valores culturais para seus membros e também para pessoas externas à empresa.
A Cultura Organizacional se desenvolve pela interação de quatro fatores que produzem diferentes culturas em organizações diferentes: as características pessoais e profissionais das pessoas; a ética organizacional; os direitos que a organização dá a seus empregados; e a estrutura da organização.
Características das Pessoas Internas a Organização
As pessoas são a principal fonte da cultura organizacional. Para saber por que as culturas diferem, basta olhar para os seus membros. As empresas selecionam as pessoas que compartilham os seus valores, por isso as pessoas internas se tornam cada vez mais parecidas. Os fundadores de uma organização têm uma influência importante na cultura inicial por causa de seus valores e crenças pessoais, que ao longo do tempo serão perpetuados pelas pessoas contratadas.
Muitos valores culturais derivam da personalidade e das crenças dos fundadores e dos gerentes de alto escalão e estão fora de controle da organização. Entretanto, as organizações podem conscientemente desenvolver valores éticos para controlar o comportamento de seus membros. Ética organizacional são os valores morais, crenças e regras que estabelecem um jeito para os stakeholders lidarem uns com os outros e com o ambiente da empresa. A alta gerência, para escolher constantemente as coisas certas a serem feitas, se baseia nos valores éticos da cultura organizacional. Os valores éticos, assim como as regras e normas incorporadas, são parte inseparável da cultura organizacional, porque eles ajudam a formatar os valores que as pessoas usam para gerenciar situações e tomar decisões.
Ética organizacional envolve negociação, compromisso e barganha entre os stakeholders . Regras éticas envolvem conflitos e competições nas quais a habilidade de um grupo de stakeholder para impor sua solução decide a regra ética a ser seguida. A ética organizacional é o produto das éticas individual, profissional e social. A ética social é a ética da sociedade na qual a organização está inserida, são valores morais formalizados pelo sistema legal da sociedade, seus costumes e práticas e as normas não escritas que as pessoas seguem no seu dia-a-dia. A ética profissional são os valores morais que um grupo de pessoas desenvolvem para controlar seu desempenho ou uso de recursos. A ética individual são os valores morais pessoais que os indivíduos usam para estruturar suas interações com outras pessoas. Como a ética pessoal influi na forma de agir, a cultura organizacional é fortemente afetada pelas pessoas em posição de estabelecer valores éticos.
Direitos de Propriedade
Na cultura organizacional, os valores refletem a ética dos indivíduos, dos grupos profissionais, da sociedade e também a forma de distribuição dos direitos de propriedade (direitos que as pessoas têm para usar os recursos da empresa). Esses direitos definem os direitos e responsabilidades de cada grupo de stakeholder e influem no desenvolvimento das normas, valores e atitudes. Os acionistas são o grupo que possui o maior direito de propriedade. Os altos gerentes possuem grande direito de propriedade, pois recebem uma grande quantidade dos recursos organizacionais, refletidos em sua autoridade para tomar decisões e controlar os recursos. Eles têm poder para estabelecer os termos de seus empregos e ainda para determinar os direitos de propriedade que serão recebidos pelos outros. Alterar o sistema de direito de propriedade afeta a cultura organizacional, pois afeta os valores instrumentais que motivam e coordenam os empregados. Por exemplo, supervisão e regras rígidas que controlam comportamentos podem ser substituídas por times que cooperam e são motivados pelo compartilhamento do valor criado no novo sistema.
Os direitos dos trabalhadores para utilizarem os recursos estão refletidos na sua responsabilidade e nível de controle de suas próprias tarefas. Algumas empresas conservadoras protegem tanto os seus empregados que eles não tem motivação para desempenhar e aceitar riscos.
A distribuição dos direitos de propriedade afeta os valores instrumentais que formatam o comportamento e motivam os membros da organização e determina a cultura organizacional. Por isso, os gerentes devem estar sempre avaliando esse sistema, privilegiando um que crie uma cultura empreendedora, baseando-se no desempenho para distribuição de prêmios. A cultura reflete os valores que resultam do sistema de direitos de propriedade da organização.
Estrutura Organizacional
A estrutura organizacional é a quarta fonte dos valores culturais. Diferentes estruturas fazem surgir diferentes culturas e as estruturas orgânicas e mecânicas fazem surgir valores culturais completamente diferentes. A estrutura mecânica favorece uma cultura na qual previsibilidade e estabilidade são situações desejáveis. Numa estrutura orgânica onde as pessoas possuem mais liberdade de ação, a cultura favorece inovação, criatividade e flexibilidade. O gerente é apenas um árbitro, provocando debates, confrontos criativos e incentivando novas idéias.
As organizações com estruturas de times de desenvolvimento de produtos ou matriciais são mais flexíveis, pois o contato direto entre os especialistas leva ao desenvolvimento de valores compartilhados e formas comuns de resolverem problemas. Entretanto, em algumas organizações, os empregados não devem tomar decisões e a centralização pode ser usada para criar valores culturais que reforcem a obediência. Em resumo, a estrutura organizacional afeta os valores culturais que guiam seus membros no desempenho de suas atividades e a habilidade para desenhar uma estrutura que combine com a cultura pode ser uma fonte de vantagem competitiva.
Gerenciando a Cultura Organizacional
Os gerentes interessados em compreender a relação entre cultura organizacional e efetividade na criação de valor devem prestar atenção aos fatores que produzem cultura: as características dos membros da organização (em especial, seus fundadores), a ética organizacional, o sistema de direitos de propriedade e a estrutura organizacional. Para mudar sua cultura, uma organização precisa redesenhar sua estrutura, revisar seu sistema de direitos de propriedade e até mudar as pessoas, especialmente seu time de alto escalão.
O comportamento ético possui vantagens. Como a ética forma uma parte importante dos valores culturais, numa época de grande competição, a organização não pode agir de forma a ferir sua reputação nem permitir que seus empregados tirem vantagem de suas posições para agir de forma antiética. Uma das principais prioridades dos gerentes deve ser criar uma cultura ética através de seu comprometimento pessoal com esses valores e transmiti-los aos seus subordinados. Se o comportamento da empresa segue uma regra ética aceitável o efeito de reputação é positivo.
Na teoria, as pessoas aprendem princípios éticos a medida em que amadurecem: a ética é aprendida com a família, amigos, escolas e outras instituições. Na prática, comportamentos antiéticos ocorrem, pois as pessoas passam a acreditar que qualquer atitude que promova ou proteja a organização é aceitável. Normalmente nos confrontamos com questões éticas quando pesamos nossos interesses contra os efeitos que nossas ações terão em outras pessoas; os que acreditam que seus interesses são mais importantes são mais propensos a agirem antieticamente.
Da mesma forma, as empresas com mais dificuldade de sobrevivência são as que mais provavelmente irão cometer atos antiéticos ou ilegais. Se o desempenho da empresa não é bom, a alta gerência sofre pressão dos stakeholders e pode se comportar antieticamente. Nesse caso, é grande a tentação para a empresa se engajar coletivamente num comportamento antiético.
A Responsabilidade Social Corporativa é a responsabilidade moral para com os grupos de stakeholders que são afetados pelas ações da organização. Uma organização de postura estreita acredita que seu comportamento tem responsabilidade social desde que seus atos estejam de acordo com a lei e as regras de seu meio ambiente. Elas acham que é papel da sociedade criar uma referência ética para as empresas e para decidir as regras de tratamento dos membros da organização, empregados, fornecedores e clientes. As organizações seriam responsáveis apenas por seguirem as regras existentes.
Uma organização de postura ampla aceita a premissa de que as organizações são agentes morais, e como os indivíduos, devem examinar cada situação sob uma perspectiva moral. Depois que os valores morais e princípios são aplicados para analisar ações e comportamentos, os gerentes podem desenvolver regras morais que especificam comportamentos apropriados para os membros da organização. A postura ampla requer muito mais pensamento e julgamento pela organização e seus membros que a postura estreita. Em resumo, se a ética organizacional violar a ética social, a empresa estará agindo ilegalmente e poderá sofrer sanções. Se violar as regras de negócios genericamente aceitas, poderá perder sua reputação.
Criando uma Organização Ética
A ética influencia a escolha da estrutura e cultura que irão coordenar os recursos e motivar os empregados. Uma organização pode incentivar as pessoas a agirem eticamente colocando em prática incentivos para comportamento ético e punição caso contrário. A alta gerência é quem estabelece a ética cultural, pois possui responsabilidade pelo estabelecimento da política da empresa. Normalmente as empresas utilizam sua missão para orientar os empregados nas decisões éticas. Valores éticos fluem na organização de cima para baixo, mas podem ser reforçados ou enfraquecidos pelo desenho de sua estrutura.