Discursos Paralisantes
Autor: Rogério Ribeiro da Fonseca Mendes
Problema Que Não Tem Solução Não é Problema!
Esta série - Discursos Paralisantes - pretende "trazer à luz" uma pequena parte da verdade. Conceitos no campo da ação administrativa são abordados a partir do que temos como real concreto. O relato da observação da distorção conceitual praticada (o que se observa de LOGRO, no sentido da enganação, tendência a conduzir o destinatário de uma mensagem do verdadeiro para o mentiroso, tendência a distorcer a informação) vem constituir o cenário, o "pano de fundo" do que é apresentado. Este logro que se observa é comumente expresso através de frases encobridoras, as quais circulam no dia-a-dia das empresas. São frases imaginariamente repletas de "sabedoria" mas que, como efeito, apenas encobrem a incapacidade gerencial. Na empresa, para que o logro se estabeleça e persevere, isto vai requerer um acumpliciamento contínuo: entre o grupo de chefias, entre o grupo de empregados e, mais ainda, entre chefias e empregados.
Quando chefia e empregado formam par na prática do logro - permitem que um logre outro e vice-versa -, quando logram-se (enganam-se com astúcia, burlam-se) e, nesta empreitada insana, nesta enganação, logram (obtêm) êxito (resultado), o que na realidade logram (enganam com astúcia, burlam) é o êxito (resultado feliz; bom sucesso; bom êxito) da empresa por via desta engana-ação decorrente do acumpliciamento do par-alisante. Pelo jogo de palavras empregado na última frase dá para constatar que o logro - enquanto possibilidade - já está presente na própria linguagem, na nossa fala do dia-a-dia, nas frases que poderiam ser expressas na ordem da ORDEM mas que, via este logro, nos dão o verbo mais comumente conjugado nas empresas, na imaginária busca de um êxito: eu hesito, tu hesitas, ele hesita, nós hesitamos, vós hesitais, eles hesitam e, desta forma, muito "felizes", compartilhamos em compartir o êxito que seria possível, em pedaços suficientemente pequenos, de tal forma que possam escoar livremente pelo ralo, a caminho do esgoto. Paralisamos a empresa, embora com demonstração de muito trabalho (que acaba por não ser efetivamente produtivo) e de muito movimento (não raras vezes em círculos).
Este é o quinto "capítulo" da série. Já foi abordado anteriormente:
- "Ruim com ele, pior sem ele" Bate byte n. 37 de out/94
- "Somos muito bons de diagnóstico mas não conseguimos implementar" Bate Byte n. 38 de nov/dez/94.
- "Resta - só - trabalhar" Bate Byte n. 39 de jan/fev/95.
- "A culpa é das chefias" Bate Byte n. 40 de mar/95.
Segue, então, o desmascaramento de enunciados que são socialmente aceitos, mas cujo efeito é danoso ao resultado possível de uma ação administrativa. A frase encobridora "Problema que não tem solução não é problema!" vem aqui fazer seu "strip tease", seu "importunar ao despir-se". Por um lado vem fazer "strip tease" para os que se dizem administradores: seja um proprietário, um sócio-proprietário empregador, ou "strip tease" para os empregados em geral, aqueles que dependem financeiramente do contrato de trabalho que assinaram; dependem do salário que recebem em troca de trabalho, salário este que para ser pago depende da saúde financeira da empresa.
Neste "strip tease" tira-se a capa da frase e já se revela um dos corpos que estava velado (dissimulado), um corpo morto que estava sendo velado (no sentido de velório). Trata-se de outro enunciado, bem mais popular: "O que não tem remédio, remediado está!". Mas será que esta frase nos coloca no caminho da verdade? Imaginemos uma estória, a título de ilustração. Um jovem, morador de uma cidade de porte médio, foi pescar. O rio ficava a uns dois quilômetros da cidade (faz portanto algum tempo, hoje não existem peixes nas proximidades das cidades). No caminho de retorno, após uma bela pescaria, o jovem vem carregando seus apetrechos de pesca e a fieira de peixes, quando é picado por uma cobra venenosa (note-se que a cobra é o símbolo da série Discursos Paralisantes). Este jovem, ao constatar-se picado por cobra, não portando naquele momento nenhum tipo de soro antiofídico, vai procurar um posto médico na cidade? Alguns sim, outros não. Não se pode saber, de antemão, como termina esta estória. Mas será que estaríamos no caminho da verdade se admitíssemos que este jovem, naquele momento, lembrar-se-ia de algum tipo de ditado popular? Se for por esta via, parece mais provável ele pensar "Pernas, para que vos quero!" do que "O que não tem remédio remediado está!".
Por enquanto:
- problema que não tem solução é um problema não solucionado; e
- o que não tem remédio não está remediado.
A ação administrativa pressupõe o estabelecimento de RESULTADO ESPERADO. Isto é fundamental a tal ponto que é permitido dizer que, se não há planejamento de resultado isto implica que não há administração. Resultado esperado pode ser subdividido em três categorias, que permitem estabelecer uma das diferenciações entre a CIENTIFICIDADE e a BURRICE na ação administrativa. A cientificidade na ação administrativa se enquadra na categoria em que o resultado esperado se aproxima ao nível ótimo de produção; máxima otimização de um processo produtivo. A burrice na ação administrativa abrange as duas outras categorias: a TIMIDEZ, onde a projeção de resultado está aquém da produção máxima POSSÍVEL; e o OTIMISMO, onde o resultado esperado ultrapassa o limite máximo possível de produção e recai, portanto, no campo do IMPOSSÍVEL.
No contexto da ação administrativa, um conceito de PROBLEMA é a diferença mensurável entre a PRODUÇÃO REAL e a PRODUÇÃO PREVISTA. Portanto, a existência de PROBLEMA requer ATO ADMINISTRATIVO. PROBLEMA está - de todo - no campo da administração. Os empregados - operadores em um dado sistema - NÃO TEM PROBLEMAS. Quem os tem, quem TEM PROBLEMAS são os administradores, numa gama que vai desde a timidez na ação administrativa até o otimismo na ação administrativa. Um problema não surge ao acaso e, quando surge, cabe ao administrador AVERIGUAR quais os elementos que o CAUSA. E mais, requer o COMANDO de implementação de medidas corretivas decorrentes do DIAGNÓSTICO (1).
Consideremos PRODUÇÃO REAL = apuração dos resultados produzidos; PRODUÇÃO PREVISTA = resultado estimado via processo de planejamento e PRODUÇÃO POSSÍVEL = resultado que pode ser obtido em nível máximo de otimização. Estes três indicadores e a relação de equilíbrio entre eles, não podem deixar de ser objeto de aferição contínua, se pretendemos um estilo de ação administrativa fundada na cientificidade. O nível que pode ser dito como de PRODUÇÃO IDEAL é obtido quando atingimos PRODUÇÃO REAL = PRODUÇÃO PREVISTA = PRODUÇÃO POS-SÍVEL, sempre levando em conta que esta PRODUÇÃO POSSÍVEL pode sofrer alteração, pois é resultante do efeito de um conjunto de variáveis - internas e externas - que estão inseridas em outros sistemas, sempre sujeitos a alterações. No outro extremo temos a relação PRODUÇÃO REAL < PRODUÇÃO PREVISTA < PRODUÇÃO POSSÍVEL que, "piormente" a isto é o DESCONHECIMENTO de qualquer destes indicadores mas, aí, já não estaríamos mais no campo empresarial científico; o que não quer dizer que muitas "empresas" aí não possam ser "enquadradas" e até se mantenham em nível satisfatório de lucratividade. Este satisfatório, bem entendido, para o seu proprietário. Quando temos o desconhecimento recaindo sobre a PRODUÇÃO POSSÍVEL, por mais organizado que possa ser o processo produtivo, por mais criteriosa que possa ser a apuração da PRODUÇÃO REAL e o planejamento da PRODUÇÃO PREVISTA, a empresa estará transitando entre a timidez e o otimismo que, tanto um quanto outro, implicam minimizar o lucro máximo possível. Quando PRODUÇÃO REAL < PRODUÇÃO POSSÍVEL é fácil compreender que o problema que surge primeiro é decorrente de imperícia no planejamento: o administrador sofre de timidez. Também decorrente de imperícia no planejamento, quando PRODUÇÃO PREVISTA > PRODUÇÃO POSSÍVEL é sintoma de que o administrador sofre de otimismo, sofre de empáfia, mas aí o problema é mais grave, tem conseqüências mais sérias, entramos no campo do desperdício. Quando acontece que PRODUÇÃO PREVISTA > PRODUÇÃO POSSÍVEL significa dizer, a priori, que se espera um resultado impossível de ser alcançado. Neste caso, também a priori e ao longo do processo produtivo, em se tratando dos operadores deste processo, é observável o dispêndio de energia para reações de defesa em níveis que, muitas vezes, superam os níveis empregados para obtenção do trabalho produtivo. Parte-se, de início, de uma impossibilidade, de uma mentira, que vai requerer estes níveis energéticos citados para ser sustentada: fazer o que é impossível de ser feito; realizar o que é impossível de ser realizado e, do início até o final, ser imaginariamente responsável por esta impossibilidade, ser responsabilizado pelo resultado que foi possível, mas que estará, desde o início do trabalho, aquém do imagina-riamente esperado. Dá para afirmar, sem dúvida, que quando partimos de PRODUÇÃO PREVISTA > PRODUÇÃO POSSÍVEL teremos como resultado uma PRODUÇÃO REAL <<< PRODUÇÃO POSSÍVEL, com altos níveis de perda por desperdício: situação que pode ser dita como a burrice na ação administrativa, elevada ao seu extremo. Finalmente, objeto amplo e irrestrito dos muitos livros de administração, PRODUÇÃO REAL < PRODUÇÃO PREVISTA e PRODUÇÃO PREVISTA < PRODUÇÃO POSSÍVEL, onde o processo produtivo deve sofrer análise mais aprofundada, na busca de diferença entre o que está especificado e o que foi realizado, ou de necessidade de reprojeto de um processo.
Nas empresas, no campo da cientificidade na ação administrativa, um PROBLEMA QUE NÃO TEM SOLUÇÃO É PROBLEMA. Não tem solução porque o administrador não pode solucioná-lo. MAS É PROBLEMA. Se o administrador não tem solução e trata-se de problema que requer solução, a solução pode vir a se dar pela substituição do administrador. Se o administrador em questão é o proprietário da empresa, habitualmente não tem solução, mas é um problema.
Falar de o que não tem remédio, por si já pressupõe a existência de doença. Se for, por exemplo, um caso de gangrena no dedo: é recomendável amputar o dedo(2). Se a decisão de amputar o dedo demorou e a gangrena já dominou a mão: é recomendável amputar a mão. Há que se manter o corpo vivo, ainda que parcialmente mutilado.
A solução de problemas no âmbito empresarial pressupõe a admissão da perda, no mínimo da perda do status quo.
1Discursos Paralisantes n° 2
2Discursos Paralisantes n° 1