Extranets Governamentais: Lançando as bases do governo eletrônico

Autor: Fernando José Fendrich - GPS

Palestra apresentada no XXVIII SECOP - Seminário Nacional de Informática Pública, realizado em 13 e 14 de novembro de 2000

1. GOVERNO ELETRÔNICO: UM CONCEITO QUE SE AMPLIA JUNTO COM A INTERNET

Apesar de ser um fenômeno recente, a Internet tem também a sua história que, embora seja contada apenas em poucas décadas, já é capaz de nos dar uma idéia da evolução havida. Para facilitar nossa compreensão sobre como os conceitos modificaram-se com o tempo, imaginamos as respostas para a questão "O que é a Internet?" em 4 momentos diferentes:

O que é a Internet?

1975: "Internet é a rede de computadores em que podemos mandar e-mail"

1985: "Através da Internet podemos mandar e-mail, participar de listas de discussões e trocar informações com nossos grupos de interesse"

1995: "Internet é a rede mundial de computadores que permite o acesso a páginas de organizações de todo o mundo, inclusive comerciais, além de permitir envio de e-mail e participação em fóruns de discussão diversos"

2005: Vem aí a união de 3 mídias: Telecomunicações + Televisão + Informática, cujas conseqüências são ainda difíceis de mensurar. A Internet não será acessada apenas por computadores: haverá celulares, pagers, palms e outros dispositivos wireless. O que já se pode vislumbrar é que o conceito de Internet está mudando de novo, e rapidamente...

Pela análise das respostas acima, podemos dividir a curta história da Internet em 4 Eras:

1. Era do e-mail
2. Era do trabalho colaborativo
3. Era da Web (browsers atuais)
4. Era das mídias integradas

Esta análise nos explica porque muitos têm uma visão distorcida do trabalho a desenvolver nesta nova mídia: tudo depende em qual era da Internet se está pensando... Assim, quando falamos em Governo Eletrônico, do que estamos falando?
  • Disponibilização de páginas estáticas com informações de cada órgão estatal?
  • Grandes portais públicos que prestam serviços via Web ao cidadão comum?
  • Extranet’s que prestam serviços específicos para públicos diferenciados?

Muitos governos já dispõem das páginas estáticas, mas o cidadão tem exigido mais que isso. Parte-se, então, para a constituição de Portais públicos que concentrem serviços de maior alcance, englobando diferentes níveis da atuação do Estado, como existe no Paraná com o Portal RedeCidadão (www.pr.gov.br/ redecidadao), em Minas Gerais com o Portal Minas Interativa (www.mg.gov.br), na Bahia com o Serviço de Atendimento ao Cidadão na Internet (SACNet, em www.sacnet.ba.gov.br), no Governo Federal, com a RedeGoverno (www.redegoverno.gov.br) e em diversas outras Unidades da Federação e Municípios de maior porte. Busca-se, assim, prestar via Web os serviços oferecidos nos guichês ou balcões das repartições já existentes.

É natural que, num primeiro momento, quando os Governos pensem em lançar serviços públicos via Internet, o façam visando atingir o cidadão comum, através destes portais públicos de acesso aberto a todos os usuários. É até salutar que assim seja, porque auxilia a popularização e massificação do uso da Internet.

Entretanto, este modelo tende a esgotar-se após algum tempo, visto que, ao contrário do que se pensa, a grande maioria dos serviços executados pelo Poder Público não o são ao cidadão comum, mas a classes determinadas de cidadãos ou organizações (como empresários, contabilistas, fornecedores, credores, agricultores, entidades sociais, despachantes de veículos, prestadores de serviço, advogados, funcionários públicos e uma série de outras categorias que se relacionam com o Governo).

Portanto, nesta era de Comércio Eletrônico e Internet Banking, o Governo Eletrônico não pode se limitar aos Portais públicos. Os serviços governamentais pela Internet precisam abranger um enorme e quase inexplorado filão: aplicações específicas para automatizar seu relacionamento com estas classes de públicos pré-identificadas. Assim como os Bancos têm sites mistos (parte de acesso público e parte de acesso restrito apenas a seus correntistas), os Governos também precisarão tê-los.

2. EXTRANET: UMA RÁPIDA CONCEITUAÇÃO

Se a fase inicial do Governo Eletrônico contempla o desenvolvimento de soluções que são acessadas igualmente por todos os usuários, logo surge a necessidade de construção de aplicativos para públicos restritos, como o público interno de uma organização, para o qual se utiliza o termo Intranet.

Entretanto, organizações públicas ou empresariais mais complexas possuem as chamadas teias de relacionamentos, que englobam clientes, fornecedores e outros públicos com os quais a organização necessita relacionar-se para o cumprimento de sua missão. Estas entidades são externas à organização e, portanto, não têm acesso à Intranet, mas necessitam de acesso específico e controlado a determinadas aplicações, que não podem estar disponíveis para o público aberto da Internet. Esta rede externa à empresa, porém de acesso restrito, é chamada Extranet.

Tanto aplicativos Intranet como Extranet são, portanto, soluções em que é necessário identificar o usuário que tenta efetuar as operações, para somente liberar para seu uso aquelas que sejam de interesse da organização.

3. EXTRANET’S: AMPLIANDO O ESCOPO DO GOVERNO ELETRÔNICO

Ao eleger um público específico para atender eletronicamente, os Governos devem ter em mente que os requisitos de segurança envolvidos são semelhantes ao nível adotado pelos grandes Bancos Comercias no atendimento a seus clientes via Internet Banking. Entretanto, não basta disponibilizar um site seguro, acessável apenas através de código/senha contendo serviços especialmente projetados para atender as necessidades daquele público: é preciso modificar métodos de trabalho, abandonar fluxos de papéis, eliminar burocracias, mudar maneiras de pensar e agir (a cultura) dos funcionários envolvidos, etc.

Vamos nos explicar com um exemplo: determinado órgão do Governo deseja automatizar a concessão de uma Certidão específica utilizando sua Extranet. Existem 2 modos de fazê-lo:

1. Implementar a solicitação via Web:

O usuário faz o pedido pela Extranet, mas não obtém o documento imediatamente. As solicitações são analisadas por um funcionário (como ele sempre fez com as requisições manualmente preenchidas no guichê da repartição) que emite as Certidões (com carimbos, assinaturas, etc.) e aguarda que o usuário venha buscá-las ou enviá-las pelo Correio.

2. Processo inteiramente eletrônico:

O usuário faz o pedido pela Extranet e um sistema informatizado efetua as mesmas análises que o funcionário faria, decidindo pela concessão ou não da Certidão. Em caso positivo, a mesma poderia ser emitida pelo usuário em seu próprio computador. Nenhum funcionário foi envolvido no atendimento desta demanda.

Em nosso entendimento, só podemos falar em Governo Eletrônico quando os processos se automatizarem como no segundo tópico acima mencionado. Assim como o Comércio Eletrônico tem provocado a reestruturação de vários ramos de negócio (exemplo: as livrarias depois da Amazon.com), o Governo Eletrônico provocará modificações na organização estatal, visando adequá-la às exigências que a sociedade passará a fazer.

Não haverá um Governo verdadeiramente Eletrônico se este não implementar formas de relacionamento informatizadas para o atendimento às várias faixas de públicos específicos existentes na sociedade e se, ao implantá-los, não se modificar estruturalmente o próprio Governo.

4. AR-INTERNET: UMA EXPERIÊNCIA PRÁTICA DO GOVERNO DO PARANÁ

No Estado do Paraná, a Receita Estadual (vinculada à Secretaria da Fazenda) iniciou a prestação de serviços via Internet ao seu maior público (empresários e contabilistas) através de páginas de acesso público e irrestrito. Em pouco tempo, esgotaram-se os serviços que poderiam ser disponibilizados desta maneira (em virtude das restrições impostas pelo sigilo fiscal, instituído no Código Tributário Nacional). A partir de então, em parceria com a CELEPAR (Companhia de Informática do Paraná), projetou a construção de uma solução Extranet para este público, lançando em 03/04/2000 a AR-Internet (Agência de Rendas Internet).

Apesar de ser uma Extranet acessada apenas por um público específico, previamente habilitado com código e senha de acesso, o alcance da AR-Internet é bastante amplo: segundo os dados de 20/10/2000, seus 4770 usuários (contabilistas e empresários) acessam informações de 287.761 empresas cadastradas na Receita Estadual (49,6 % do total das empresas).

O gráfico abaixo nos mostra que a AR-Internet caiu rapidamente no gosto de empresários e contabilistas paranaenses, passando de pouco mais de 6000 acessos no primeiro mês para quase 100.000, apenas 6 meses depois.





Lançada em sua versão original com 49 serviços (Abril/2000), a AR-Internet passou a contar com 55 serviços em Julho/2000 e com 63 serviços em Outubro/2000. Neste período, observa-se que cada usuário tem utilizado mais a AR-Internet, permanecendo mais tempo no site e utilizando um número maior de serviços.

No gráfico a seguir vemos esta tendência:


Estes números indicam que o crescimento do uso da AR-Internet tem se dado não apenas pelo cadastramento de novos usuários, mas pela maior utilização dos usuários já cadastrados. Tal fortalecimento do uso individual de cada usuário é essencial para a estruturação do Governo Eletrônico, pois indica que a sociedade está disposta a usar crescentemente os meios eletrônicos para relacionar-se com os Governos, desde que disponha de serviços de qualidade, com rapidez e segurança (aliás, o site AR-Internet é certificado pela VeriSign).

A AR-Internet diminuiu a freqüência física de contribuintes a Agências de Rendas da Receita Estadual. Em alguns casos, tal redução ultrapassa 30% do volume de contribuintes atendidos. A entrega de disquetes de GIA/ICMS (Guia de Informação e Apuração do ICMS) é o melhor exemplo deste fenômeno: os disquetes podem ser entregues no Banestado (Banco do Estado do Paraná) ou nas Agências de Rendas da Receita Estadual, mas desde o lançamento da AR-Internet os contribuintes têm preferido entregar os disquetes diretamente pelo Portal, diminuindo suas idas ao Banco ou à Receita, como vemos no gráfico a seguir:


A intenção da Receita Estadual do Paraná é fortalecer o portal AR-Internet como canal de relacionamento com o público de empresários e contabilistas que o utiliza: há muito espaço para isto, pois as curvas dos gráficos ainda não atingiram um ponto de estabilização. Em parceria com a CELEPAR, vários outros órgãos do Governo do Paraná também estão mapeando seus públicos específicos e os serviços que podem ser prestados a eles via Internet, de modo a construir Extranet’s governamentais de grande utilidade para a sociedade como um todo. Aliadas ao Portal de Serviços Públicos de acesso irrestrito, estas Extranet’s lançam as bases do Governo Eletrônico no Estado do Paraná.

Temos clarificadas, portanto, 2 linhas de ação para a implementação do Governo Eletrônico:

1. Massificação e Popularização

Construção de um grande Portal de Serviços Públicos de acesso irrestrito (voltado ao cidadão)

2. Especialização e Personalização

Construção de inúmeras Extranet’s de acesso restrito a usuários previamente identificados (voltadas a públicos específicos, mas nem por isso pouco numerosos).

Massificar, ao mesmo tempo em que se especializa, popularizar e personalizar, são paradoxos desta era da Internet. Aparentemente contraditórias, estas linhas de ação atendem às grandes demandas da sociedade neste período: de um lado está o cidadão comum, muitas vezes sem nenhuma formação "digital", tentando utilizar os serviços públicos de forma mais rápida e eficiente; de outro estão os setores organizados da sociedade (como as empresas), que possuem recursos tecnológicos avançados e demandam do Governo serviços eletrônicos com alto grau de automatização dos processos.

O sucesso de iniciativas pioneiras como a AR-Internet tem demonstrado o acerto desta estratégia de ação, indicando novos caminhos para o uso da Internet pelos Governos nos próximos anos.