Flagrantes: Coelho Ressuscitado
Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro
Esta história não é sobre computadores, mas como estamos na época do coelhinho da páscoa, vai aí a história do:
Coelho Ressuscitado
Amigo meu, mora em um condomínio fechado. Ele foi para lá para poder criar bichos, de que gosta muito. Tem um gatinho feioso, mas muito fofo e um cachorrão com cara de maus bofes, mas que é um doce de criatura, incapaz de mal fazer a uma mosca.
O condomínio é liberal nessas coisas, mas o cachorro -- pelo tamanho e pela cara de poucos amigos -- está proibido de sair de casa sem coleira e focinheira.
Já o vizinho do meu amigo, também gosta de bichos, mas tem uma visão meio oriental e zen. Ele (na verdade a filha dele) contenta-se com um delicioso coelhinho de pêlos brancos e macios e de olhos vermelhos, que residia em inofensiva jaula nos fundos da casa.
No último feriadão, em pleno verão, o condomínio ficou meio deserto, todos foram à praia. Foi o que bastou para o meu amigo condoer-se daquele cachorrão, tão assustador quanto inofensivo, para soltar-lhe as amarras. Livre daquela corrente horrível o danado desembestou-se a correr e latir e divertir-se terreno afora.
Uma hora, o cachorro sumiu. Foi pouco tempo, uns 3 ou 4 minutos, mas bastou para que a família toda saísse procurando pelo dito cujo.
Nisso, vem ele todo alegre trazendo um brinquedinho na boca. O brinquedinho era meio difuso, numa cor indefinida, mas seguramente cheio de terra e barro. Quando se aproximou mais, o cachorro causou um susto e tanto. Horror! Terror! O cachorro trazia o cadáver do coelhinho da vizinha. O pobre animalzinho estava todo sujo de sangue e de terra, provavelmente fora estraçalhado pelo fera que o trazia subjugado.
O cachorro tomou uma carraspana, foi agredido e trancado em seu canil. Ameaçado de deportação e morte, só lhe restou ficar quietinho no seu canto, sem muito entender.
O dono do cachorro era só preocupação com a dona do coelhinho (e com a bronca do pai da dona...). Disposto a eliminar evidências e a transferir a culpa a um vago acidente com o coelhinho, limpou-o como foi possível do sangue e da terra e levou-o com cuidado até sua gaiola, onde foi posto como se dormindo estivesse.
A família passou a viver em constante apreensão. Afinal, o feriadão se acabou e todos os moradores voltaram a povoar o condomínio. O vizinho quieto, nada disse nem fez. Os nervos do meu amigo, dos seus filhos, da sua mulher e do cachorro estavam a flor da pele. Talvez pior do que uma explosão de furia e incriminamento era aquele silêncio parado e a pose de "tudo bem" que emanava por ali.
Duas semanas se passaram, até que o meu amigo não aguentou. Um sábado pela manhã, ao ver o vizinho à toa, na frente da casa, não resistiu e foi lá especular. Deu-se o seguinte diálogo:
-- E aí vizinho, tudo bem?
-- Tudo, tudo mais ou menos.
-- É mesmo? o que acontece?
-- Pois conosco está tudo bem. Minha mulher que anda pensando umas coisas diferentes...
-- Como assim?
-- Cá pra nós, baixinho que ninguém nos ouça. Ela acha que a casa que compramos é mal-assombrada.
-- ???
-- Veja só, há uns 15 dias o coelhinho da minha filha morreu. Foi uma tristeza, mas enterramos ele no quintal, teve velório e minha filha até botou uma flor em cima. Daí veio o carnaval, viajamos e quando voltamos, onde estava o coelho? Na gaiola. Como ele foi parar lá? Minha mulher quer se mudar.