Flagrantes: Dia desses,...
Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro- GAC
Estávamos na maior modorra. Manja aqueles dias em que a existência pesa, um bicho preguiça ficaria parecendo "the flash" e até respirar cansa? Pois é, ainda bem que esses dias são tão raros. Estávamos nós mergulhados até o pescoço nesse dia quando olhando pela janela, aqui do sétimo andar, vemos uma dupla saindo do boteco da esquina da Mateus Leme com a Lysímaco Ferreira da Costa.
Pelo estado dos dois, dava para ver o álcool evaporando pela boca, nariz, orelhas e cabelos contra o sol de fim de tarde: na certa estavam bebendo desde as 10 da manhã e já eram 5 horas. A primeira confusão foi um ligeiro desentendimento. Um queria ir em direção do Müller e o outro queria ir para a Nilo Peçanha. Discutiam em altos brados, parecia que não havia acerto possível, quando eis que de repente os dois se abraçam e saem em direção da Prefeitura. Maldita cachaça. (Para quem não está bem ao par da geografia do local, olhe para qualquer mapa do Brasil: estando em Brasília, um queria ir para Manaus e outro para Belém. No fim os dois se abraçaram e saíram para Porto Alegre)... maldita cachaça.
O griteiro foi tanto que já se viam cabeçinhas nas janelas, o espetáculo estava pronto: Prefeitura, aqui vamos nós. E na prefeitura teriam chegado sãos e salvos se no meio do caminho não tivesse um rio. Tá certo que não é nenhum Rio Sena, mas é de respeito. Trata-se do nosso Rio Belém. Rasinho, discreto, mas cheio de água. Levaram 23 minutos desde o bar até a margem direita do rio (uns 15 a 20 metros bem contados). Iam abraçados, vermelhos e suados, mas cheios de alegria: cantavam e arrotavam em altos brados. Embora muito parecidos, havia uma diferença entre eles: o primeiro estava absolutamente embriagado, tropeçava nos próprios pés, arrastava-se, catou um monte de cavacos, quase não se agüentava em pé. O outro estava pior: se largado às suas próprias forças desabaria qual uma maria-mole recém tirada do forno. Era um caso típico de um roto conduzindo um esfarrapado.
Quando a dupla alcançou a ponte sobre o rio, todos aqui travamos a respiração. Passariam eles incólumes? perguntava-se a massa. Aos trancos e barrancos, mais barrancos do que trancos é verdade, eles começaram a travessia. No meio do trajeto veio uma jamanta daquela de 48 rodas e encobriu os dois: o desespero da massa expectadora foi visível. A jamanta veio e se foi e os dois continuavam no mesmo lugar, lutando contra uma ponte que teimava em se mexer, não parava quieta a miserável. Não se sabe como, mas a cerca de meia hora do início da empreitada, eles chegaram inteiros na outra margem: quase são aplaudidos. O primeiro, cansado de carregar o amigo desabou no gramado: todos ouviram o grito: daqui não saio, daqui ninguém me tira. Largou o colega, desabou no chão, resmungou e dormiu. Tudo isso levou menos de 5 segundos. O amigão perdeu seu apoio e também foi obrigado a aterrisar. Enquanto um dormia, o outro ficou atarantado olhando pros lados: Não se sabe como ou de que jeito, ele encasquetou que o rio era de pinga. Nada que alguns litros da maldita na cacunda não justifiquem. O amigo estava com Morfeu, e, portanto, não havia ninguém para convencê-lo do absurdo: onde já se viu um rio de cachaça.
Do nível da rua até a água tem uns 5 metros de diferença na altura, uma parede de concreto. Ninguém, em sã consciência, desceria até lá (com exceção de uma dona louca dirigindo um fusca amarelo que há uns 10 anos resolveu passear de fusca no rio, mas essa é outra história...) Só que consciência de bêbado não tem dono, e ele já estava sentindo carência da maldita. Ia descer de qualquer jeito. Aqui, na assistência já tinha gente segurando o coração para ele (o coração, não o bêbado) não sair pela boca. Tinha juntado um monte de piás em volta do dito cujo e ele em altos brados: vou lá. E foi. Tá certo que foi um pouco ajudado pela gravidade, mas que foi, foi. Quando demos pela coisa, assim estava a dupla: um desmaiado dormindo na grama e outro desesperado e molhado berrando dentro do rio.
Tanto berrou que o amigo acordou: cadê o fulano? E o fulano gritando socooooooooorro, vou morrer afogado... Quando deu pela coisa, caiu em si, havia que tirar o amigo de lá. Tirou o paletó, agarrou-se a uma árvore e jogou uma manga na direção do amigo lá embaixo. 50 centímetros haviam sido vencidos, faltavam 4 metros e meio. Vários minutos depois ambos se deram conta de que não havia paletó que alcançasse. Olharam pros lados e viram um bueiro que podia ser usado a título de escada a uns 50 metros a montante. Lá vão os dois. Se juntos levaram meia hora para vencer 25 metros, quanto levariam para vencer os 50 metros e contra as águas, ainda por cima?
Fez-se escuro, era hora de ir para a faculdade, e não se pôde acompanhar a epopéia até o final. No dia seguinte, nem sinal da dupla, e o dono do bar confessou depois que nunca mais vieram beber. Decerto, ficaram com medo dos obstáculos a superar depois de deixar o bar. Mas, já escuro, foi possível ouvir do que primeiro desceu, o desabafo: %$&#**&^, não é pinga, é água, e suja ainda por cima.
Estávamos na maior modorra. Manja aqueles dias em que a existência pesa, um bicho preguiça ficaria parecendo "the flash" e até respirar cansa? Pois é, ainda bem que esses dias são tão raros. Estávamos nós mergulhados até o pescoço nesse dia quando olhando pela janela, aqui do sétimo andar, vemos uma dupla saindo do boteco da esquina da Mateus Leme com a Lysímaco Ferreira da Costa.
Pelo estado dos dois, dava para ver o álcool evaporando pela boca, nariz, orelhas e cabelos contra o sol de fim de tarde: na certa estavam bebendo desde as 10 da manhã e já eram 5 horas. A primeira confusão foi um ligeiro desentendimento. Um queria ir em direção do Müller e o outro queria ir para a Nilo Peçanha. Discutiam em altos brados, parecia que não havia acerto possível, quando eis que de repente os dois se abraçam e saem em direção da Prefeitura. Maldita cachaça. (Para quem não está bem ao par da geografia do local, olhe para qualquer mapa do Brasil: estando em Brasília, um queria ir para Manaus e outro para Belém. No fim os dois se abraçaram e saíram para Porto Alegre)... maldita cachaça.
O griteiro foi tanto que já se viam cabeçinhas nas janelas, o espetáculo estava pronto: Prefeitura, aqui vamos nós. E na prefeitura teriam chegado sãos e salvos se no meio do caminho não tivesse um rio. Tá certo que não é nenhum Rio Sena, mas é de respeito. Trata-se do nosso Rio Belém. Rasinho, discreto, mas cheio de água. Levaram 23 minutos desde o bar até a margem direita do rio (uns 15 a 20 metros bem contados). Iam abraçados, vermelhos e suados, mas cheios de alegria: cantavam e arrotavam em altos brados. Embora muito parecidos, havia uma diferença entre eles: o primeiro estava absolutamente embriagado, tropeçava nos próprios pés, arrastava-se, catou um monte de cavacos, quase não se agüentava em pé. O outro estava pior: se largado às suas próprias forças desabaria qual uma maria-mole recém tirada do forno. Era um caso típico de um roto conduzindo um esfarrapado.
Quando a dupla alcançou a ponte sobre o rio, todos aqui travamos a respiração. Passariam eles incólumes? perguntava-se a massa. Aos trancos e barrancos, mais barrancos do que trancos é verdade, eles começaram a travessia. No meio do trajeto veio uma jamanta daquela de 48 rodas e encobriu os dois: o desespero da massa expectadora foi visível. A jamanta veio e se foi e os dois continuavam no mesmo lugar, lutando contra uma ponte que teimava em se mexer, não parava quieta a miserável. Não se sabe como, mas a cerca de meia hora do início da empreitada, eles chegaram inteiros na outra margem: quase são aplaudidos. O primeiro, cansado de carregar o amigo desabou no gramado: todos ouviram o grito: daqui não saio, daqui ninguém me tira. Largou o colega, desabou no chão, resmungou e dormiu. Tudo isso levou menos de 5 segundos. O amigão perdeu seu apoio e também foi obrigado a aterrisar. Enquanto um dormia, o outro ficou atarantado olhando pros lados: Não se sabe como ou de que jeito, ele encasquetou que o rio era de pinga. Nada que alguns litros da maldita na cacunda não justifiquem. O amigo estava com Morfeu, e, portanto, não havia ninguém para convencê-lo do absurdo: onde já se viu um rio de cachaça.
Do nível da rua até a água tem uns 5 metros de diferença na altura, uma parede de concreto. Ninguém, em sã consciência, desceria até lá (com exceção de uma dona louca dirigindo um fusca amarelo que há uns 10 anos resolveu passear de fusca no rio, mas essa é outra história...) Só que consciência de bêbado não tem dono, e ele já estava sentindo carência da maldita. Ia descer de qualquer jeito. Aqui, na assistência já tinha gente segurando o coração para ele (o coração, não o bêbado) não sair pela boca. Tinha juntado um monte de piás em volta do dito cujo e ele em altos brados: vou lá. E foi. Tá certo que foi um pouco ajudado pela gravidade, mas que foi, foi. Quando demos pela coisa, assim estava a dupla: um desmaiado dormindo na grama e outro desesperado e molhado berrando dentro do rio.
Tanto berrou que o amigo acordou: cadê o fulano? E o fulano gritando socooooooooorro, vou morrer afogado... Quando deu pela coisa, caiu em si, havia que tirar o amigo de lá. Tirou o paletó, agarrou-se a uma árvore e jogou uma manga na direção do amigo lá embaixo. 50 centímetros haviam sido vencidos, faltavam 4 metros e meio. Vários minutos depois ambos se deram conta de que não havia paletó que alcançasse. Olharam pros lados e viram um bueiro que podia ser usado a título de escada a uns 50 metros a montante. Lá vão os dois. Se juntos levaram meia hora para vencer 25 metros, quanto levariam para vencer os 50 metros e contra as águas, ainda por cima?
Fez-se escuro, era hora de ir para a faculdade, e não se pôde acompanhar a epopéia até o final. No dia seguinte, nem sinal da dupla, e o dono do bar confessou depois que nunca mais vieram beber. Decerto, ficaram com medo dos obstáculos a superar depois de deixar o bar. Mas, já escuro, foi possível ouvir do que primeiro desceu, o desabafo: %$&#**&^, não é pinga, é água, e suja ainda por cima.