Flagrantes: O alto-falante do diabo fumante

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro

 

Periodicamente somos visitados, aqui na Celepar, por algumas figuras estranhas. Ainda na semana passada, em pleno expediente, entraram 3 bruxas na minha sala. Só não entraram voando na vassoura, faltou o gato preto, mas no resto eram perfeitas encarnações da dita cuja. Vinham me convidar para participar da semana de Qualidade de Vida.

Há uns 2 anos, em plena campanha anti-fumo, pudemos acompanhar a visita que um anjo e um diabo fizeram às salas. Entravam em cada uma assustando e ameaçando os fumantes. O diabo portava um vistoso tridente e pobres dos que com ele fossem ameaçados. O anjo e o diabo competiam por atenção, e, infelizmente, sou obrigado a dizer que o diabo era muito mais divertido. Chamava a atenção e prendia-a com seus arrufos. Informava a cada fumante estar ansiosamente esperando cada um deles lá nas profundidades do inferno. A roupa dele tinha um imenso rabo terminado por uma flecha, como aliás devem ser os rabos dos diabos decentes. A ponta do rabo do diabo se enroscava e se prendia nos pés dos móveis enquanto o diabo andava. A calça do uniforme já andava meio frouxa de tantos puxões que levava, e às vezes era possível enxergar a calça jeans que o diabo levava vestido por baixo da farda demoníaca. Nada que atrapalhasse o visual e a diversão. Já o anjo (ou era uma “anja”?) era mais suave, mais light, fala mansa, exortando as pessoas a largarem o cigarro para não terem de se haver com o “colega”.

Muda a história e avança um ano no tempo. Vamos para um encontro de toda a comunidade de informática do Estado (a Celepar incluída). Foi no Canal da Música, para as festividades do lançamento do Congresso Internacional de Software Livre que deve ocorrer agora, ao final de 2003, e também para o lançamento do novo portal do governo (www.pr.gov.br) que acabara de ser refeito em software livre.

A festa foi bonita, mas algo demorada. Depois do seu encerramento, ao sair, já no começo da noite, por volta de 19h30, uma colega nossa, ao chegar ao carro, notou o mesmo arrombado. Os bandidos haviam aberto o carro, quebrado um vidro e furtado o CD player, além de haver danificado a instalação dos alto-falantes.

Chateada pelo acontecido, nossa colega foi para casa e no caminho lembrou-se de uma loja de som para carros atrás do Tribunal de Justiça, a dois quarteirões da Celepar. Programou-se para, amanhã, deixar o carro lá para ser consertado.

No dia seguinte, chegando na loja de som, foi atendida por um funcionário atencioso e muito falante. Foram os dois examinar o carro, e durante a conversa nossa colega teve a nítida sensação de já ter conversado com aquele funcionário. Mas como, se nunca havia posto os pés naquela loja?

Discute sobre o conserto, avalia alternativas de correção do estrago dos bandidos, palpita daqui, e a sensação cada vez mais forte. Até que não resistiu e lançou a pergunta: “já não se conheciam?”. O vendedor deu de ombros e disse que provavelmente não, estava há pouco em Curitiba e sempre trabalhara naquela loja.

Nossa colega não desistiu, continuou dando tratos à bola. É excelente fisionomista, não havia de se esquecer. Pensa daqui, e de lá, e nada feito. A memória se recusando a colaborar.

Já terminando a transação, combinados pagamento, prazo do conserto e outros detalhes que tais, o vendedor puxa um cigarro e quando vai acendê-lo, vem o estalo: “o diabo!”. Ele mesmo, em carne e osso. Relembrado do fato, os dois reviveram o episódio e riram dele. Pois não é que o sujeito era vendedor de alto-falantes de profissão e diabo de bico? E, ainda por cima, fumante?