Flagrantes: Que vergonha
Autor: Pedro Luís Kantek G. Navarro - GAC
Ontem era dia de votar. Para essa gurizada que anda por aí, pode ser um aborrecimento, um incômodo, ou simplesmente algo como pagar a conta da luz ou apertar o botão certo do elevador. Mas, quem tem mais de 40 anos e não tem a memória curta, deve lembrar que há não muito tempo, esse simples verbo "votar" era considerado palavrão, extirpado dos meios de comunicação à força de censura. Lembro que a imprensa brasileira cobria as eleições americanas com vibração, torcida e cobertura ao vivo. Era tamanha a ânsia de votar que impossibilitados de acompanhar as eleições daqui (inexistentes) impunha-se o refrão: quem não tem cão, caça com gato e dá-lhe torcer pelos Bill Clintons da vida. Tivemos uma sucessão de "eleições" (e bota aspas aí), depois veio a campanha pelas diretas, a redemocratização, e ao final chegamos aonde estamos hoje. Quem quiser se inteirar dessas "eleições" pode procurar o livro "Guerra de Estrelas" de Carlos Chagas, leitura de primeira, divertida e instrutiva. Voltando ao nosso negócio, pode não ser o melhor dos mundos, pode faltar muita coisa boa e sobrar coisa ruim, mas não importa. Lá dentro da cabine, só está você. Você é que manda ver, sem nada nem ninguém por cima do ombro. Bom, esse papo meio furado foi para introduzir a crônica do dia da eleição, ontem, 4 de outubro de 1998. Já nos meses anteriores, eu via a propaganda na TV, via as máquinas instaladas em locais públicos (uma delas no saguão da Prefeitura de Araucária -- que estou atendendo no momento) e a cada vez pensava: daí não vai sair coisa boa: O choque cultural da nossa geração com o computador ainda é grande. Sobretudo quando se exige o comparecimento não apenas do substrato da população que sabe o que é www e que para qualquer coisa saca o CTRL-ALT-DEL, mas sim de 100% da população. Não nos esqueçamos que o voto é obrigatório. Mas, não tinha jeito, um dia teria que ser a primeira vez. Para complicar, havia que votar 5 vezes, um mundaréu de candidatos, essas máquinas com seu mau humor (todo computador é mal-humorado), enfim... Paciência armada, título de eleitor (emitido na CELEPAR) na mão, vou votar. No carro, indo para o local, ia tendo notícia das filas que se armavam. Havia eleitores levando 10 minutos para votar. Que coisa! Já me despedindo dos programas programados para a seqüência da eleição, achando que ia ficar umas 2 ou 3 horas na fila, chego no Colégio onde voto. Aquilo vazava gente pelo ladrão. Um suspiro e entra-se porta adentro. Filas se cruzando com filas, gritos, esperneios, de fato a coisa quando andava, andava devagar. Ainda bem que o astral de votantes, mesários e fiscais se não era o melhor do mundo estava longe de prejudicar a festa. Tinha 12 seções no lugar. 11 com filas imensas e uma delas sem ninguém na porta. Primeira pulga atrás do auricular: qual seria a minha seção? Claro que era aquela sem fila. Assim já é demais, devia ter algum truque, alguma peta preparada. Quando a esmola é muita o santo deve desconfiar. Entrei na seção esperando encontrar a explicação para aquela ligeireza. No mínimo os computadores da minha seção estavam turbinados, ou os das outras seções haviam pifado. Cheio de orgulho por essas maquininhas capazes de tudo, entrei na seção e achei a explicação. Singela explicação: deram-me uma folha de papel amarelo para votar nas majoritárias e uma folha de papel branco para as proporcionais. E eu segurando os dois papéis com cara de tacho só me atrevi a perguntar: "cadê a máquina de votar?" O mesário lascou: "infelizmente as duas quebraram e tivemos que ir para a velha, tradicional e confiável urna de lona". Daí, baixou a voz e continuou: "ainda bem, que eu pretendo cair fora daqui antes do anoitecer". Que vergonha. Mas um dia há de dar certo.
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