Flagrantes: TRÊS DIAS ENTRE TANGOS Y MILONGAS
Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro- GAC
Disseram-me que tem um leitor que gosta destas crônicas de viagem. Então, se isso for verdade, aí vai mais uma. Dessa vez, foi aqui pertinho, Buenos Aires. Fui experimentar "o" vôo internacional (acho que é o único) do nosso aeroporto Afonso Pena. Aliás, na volta, foi bem legal olhar o painel de saídas de Ezeiza em BsAs. Lá estava escrito: vôo x de Buenos Aires para Orlando. Vôo y para Johannesburgo, Vôo z para Madrid, e vôo 960 para Curitiba. Chic não?
É uma cidade linda, meio antigona, mas cheia de charme. De charme e de sangue, que a cada esquina há um episódio envolvendo tiros e mortes a relembrar. Passeei na Plaza de Mayo, local onde se reuniam as famosas mães da Praça de Maio querendo informações dos "desaparecidos". Vi o local onde em 1955, a força aérea bombardeou dois ônibus urbanos lotados de gente em pleno meio-dia: mais de 70 mortos. Vi, também, um viaduto sobre a rodovia que vai do aeroporto até a cidade. Ali em 1972, no retorno triunfal de Perón, os peronistas de direita e de esquerda acertaram algumas diferenças (a tiro é claro, e com a polícia convenientemente bem longe cuidando de "otras cositas"). Não se sabe até hoje qual foi a contagem de baixas: o número já chegou a 1000 mortos (um claro exagero), e a estimativa mais séria é de cerca de 50 mortos e 300 feridos.
O movimento guerrilheiro acabou, as Fuerzas Armadas estão nos quartéis, mas o clima é caliente. Como não houve um acerto de contas no final do governo militar e simplesmente varreu-se "la suciedad" (a sujeira) pra debaixo do tapete, a coisa teima em não sossegar. Parece que a tratantada fermenta e fermenta e não há sinais de calmaria. A última (essa semana ainda) é a expulsão do Exército do (ex) Capitão Astiz, um notório torturador. A cidade estava em polvorosa, panfletagens e passeatas querendo ver a caveira desse cidadão. Outras panfletagens e passeatas querendo ver o sangue dos adeptos da primeira panfletagem. Mais outra passeata… Durma-se com um barulho desses.
As estantes de história da Argentina nas livrarias, são um prato cheio. Haja história para contar. Aliás, alguém me disse que num trecho da avenida Corrientes (lembram do tango? Corrientes, 348, segundo piso acensor…) há mais livrarias do que em todo o território brasileiro. Bravata, pensei eu, mas fui lá conferir. Olha, não sei não… Se não ganha, empata.
O idioma é uma delícia. Tão parecido e ao mesmo tempo tão diferente. Estou passeando por uma avenida e olho um imenso cartaz numa vitrine: Gran venta. Sin interés, cuja tradução poderia ser: "grande venda, sem interesse". Que estranho, alguém querer vender algo que não tem interesse. Deixa essa em suspenso e caminha mais um pouco. Na outra vitrine lê-se: 2% de interés al mes. Aha! Lembrei agora. Interés quer dizer juros, e o que a loja fazia era vender sem juros. Ah, bom!
No domingo pela manhã, um calor dos demônios e vamos ver a Feira de Santelmo. De cara, uma estátua viva, a la parisiense. A mulher absolutamente parada, toda pintada de branco. Meu filho sacou logo, enquanto a minha filha jurava que era de pedra. Ficamos os três olhando com cara meio abobada, até que a estátua deu uma piscada para a minha filha (e esta tomou um susto). Pronto: estava esclarecido: era de mentirinha. Tratava-se de uma moça de verdade, muito bonita por sinal.
Pois no meio da feira, uma sede enorme, vamos a um kiosko e pedimos três latinhas de refri. A senhora nos dá as latas, cobra os 3 pesos e assim na bucha, pergunta: ¿ quieren sorvete?
Que estranho, eles vendem a lata e dão um sorvete de brinde? Cara de "não entendí" e a mulher mostra o tal do "sorvete". É o canudinho, que é usado para sorver a lata, isto é o conteúdo da lata. No, gracias, no queremos sorvetes, e dá-lhe gargalhar.
Uma noite, fomos tomar um café. Peço pão e o "garçon" desolado me diz que acabou. Peço torradas, e a mesma resposta. Agora sou eu que faço cara de desolado e ele oferece "la factura". Caramba, além de não ter o que quero, o cidadão quer me trazer a conta pra eu dar no pé. Quanta gentileza… Em seguida vem a explicação: as faturas lá são pequenos croissants, com manteiga e açúcar em cima, uma gostosura.
Mas o melhor foi uma notícia ao pé da página 1 do La Nación, que seria a Gazeta do Povo deles. Estava lá com todas as letras: "La policia encontró al presunto asesino de Palermo Chico". Numa tradução apressada, seria algo como "a polícia encontrou o presunto assassino de Palermo Pequeno" (um bairro da capital portenha). Leitura atenta da notícia e a explicação: o presunto aí, não é a perna do porco (que se chama jamón, e é deliciosa) e sim o particípio do verbo presumir. Era o assassino presumido, isto é, a polícia não tinha certeza.
No dia do city tour, um episódio bem interessante. Estamos passeando pelo meio de um jardim maravilhoso, quando a guia mostra uma edificação "muy linda" e diz tratar-se do Planetário Galileu Galilei. Todas as noites há demonstrações sobre o céu, as estrelas, os planetas e assim por diante. A gafe da guia foi a seguinte: depois de elogiar o planetário, saiu-se com a frase: Quem tivesse interesse em astrologia, podia visitar o planetário depois… Acho que a pobre mulher não sabia a diferença entre astrologia e astronomia. Galileu deve ter dado umas três voltas no túmulo.
Bem, os 3 dias passaram rápido, e a crônica mais ainda. É hora de voltar ao trabalho. Até a próxima.