Flagrantes: UMA MÃE CIBERNÉTICA

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro

Tããã - Dããã ! Bom-dia. Finalmente perdi a vergonha e resolvi pôr no papel o que se passa pelos meus circuitos. Eu sou a mãe windows. Não faça cara de estranheza, você pensou que programas de computador não pensam e não falam? Se pensou, está enganado. Nós temos sentimentos, gostamos de ser paparicadas, ficamos extremamente injuriadas quando alguém exclama em voz alta "mas como esse windows é burro!", ainda erram o meu sexo, os trogloditas...

Daqui da minha janela, eu vejo e enxergo muita coisa. Vejo a coleção de meus amigos (aqueles que conversam comigo) passando na minha frente, e sempre me olhando com atenção. Só pelo jeito que as pessoas me chamam já me permite saber se o fulano está de bom humor hoje. Quando as teclas são violentadas, eu trato de me apurar, que pelo jeito o cara desceu da cama pelo lado errado. Quando, ao contrário, ele suave e delicadamente escreve win <enter>, eu relaxo e vou à luta, pronta para mais uma jornada de trabalho.

Gosto daqueles usuários que escrevem uma palavra (no meu filhinho word), daí pensam, apagam, reescrevem um sinônimo, pensam mais um pouco e até voltam à palavra original. São pessoas sensíveis, cujos textos saem limpos e lindos. Em compensação, tem uns que quando mandam gravar um arquivo, preciso limpar o texto das marcas sanguinolentas, antes de gravar, tamanha é a quantidade de atentados à língua portuguesa que eles contêm.

Nesse micro, convivemos toda a família: eu, o word, o excel, o access, o notes. Todos nós nascemos em grandes maternidades, (a minha foi em Seatle). Junto conosco tem uns contra-parentes, que nasceram por aqui mesmo. Aliás, volta e meia, alguém digita e compila um novo programa, e ele passa a conviver conosco. Como toda família, a nossa também tem uns arranca-rabos de vez em quando. Vocês nunca viram um irmão mais novo emprestar ("roubar") uma camisa linda do armário do irmão mais velho ? Pois aqui é a mesma coisa. Volta e meia, dois programas resolvem querer o mesmo recurso ao mesmo tempo: não dá outra – sobra sempre pra mim. Quando posso, resolvo o negócio, dou uns cascudos num, e mando o outro continuar.

Ainda bem que não sou fofoqueira, pois eu tenho dezenas de olhos. Agora mesmo estou olhando – olho no olho – para mais de 20 pessoas, só aqui na Celepar. E, por sorte de todos, sou muda, pois fico sabendo de cada história cabeluda...

Mas, hoje quero falar dos meus filhinhos: um mais lindo que o outro. Definitivamente não caibo em mim de tanto contentamento: eles são os melhores do mundo.

O mais velho, o Word, teve alguns primos mais antigos que vieram de uma parte da nossa família, conhecida como DOS, da qual não gosto nem de lembrar, são um bando de pés-rapados, mal-educados e pobres. Não sou preconceituosa, mas tenho horror a pobre.

O segundo, coitado, é um ótimo filho, seu nome é Excel. Nunca me causa problemas. Mas, morre de inveja do wordinho. Não sei o que esses dois meninos tanto brigam. Acho que é porque o Word faz o maior sucesso entre o mulherio: as secretárias suspiram por ele. Já o pobre do Excel só encontra adeptos entre os sisudos contadores e economistas barrigudos. Ele se enfeita, se perfuma, se produz todo e, pobrezinho, as mulheres fogem dele como o diabo foge da cruz. Deve ser um problema de mau hálito, sei lá.

O terceiro, demorou mais para nascer, foi uma gravidez cheia de problemas, passei mais da metade dos 18 meses deitada na cama. O danado nasceu gordinho, e por mais que tente fazer regime, continua cheinho até hoje. Seu nome é Access. É um guloso. Não pode ver 2 ou 3 megabytes de memória sobrando, que logo engole todos eles, sem mastigar. E ainda fica olhando pros lados enquanto come, tal qual gato selvagem, para ninguém vir roubar o delicioso acepipe.

Finalmente, veio o caçula, exibido como ele só. É o Powerpoint, ou Point para os íntimos. Gosta de aparecer, é só surgir uma reuniãozinha qualquer pro nosso caçula ir para a berlinda. Adora trabalhar sob os holofotes. O coitado do Excel morre de inveja dele também.

O Word sofre o problema de todo primogênito, é conservador e mandão. Dia desses, precisei fazer umas comprinhas no centro (fui procurar uma lingerie super esperta, de nome plus95: vai me deixar enxutona e atraente) e precisei deixar os dois sozinhos em casa. Passei meia hora de doutrinação antes de sair: nada de brigar enquanto eu estivesse fora. Não fossem roubar os brinquedos um do outro, que crianças bem-educadas não agem assim.

Pois foi pôr o pé fora de casa, que os dois cismaram de brincar de "ler o disco" e os dois queriam pegar o mesmo setor para brincar. Cheio de setores dando sopa, e os dois quiseram porque quiseram pegar o mesmo; criança é igual em todo lugar. Resultado: GPF. Lá tive eu que ser chamada pelo BIP do meio da loja, larguei os pacotes correndo e vim botar um mínimo de ordem na casa. Coloquei o Excel de castigo, onde já se viu! Ficou lá choramingando e se achando injustiçado. Mas eu sou um modelo de justiça, todos os meus filhos são iguais para mim. É verdade que o Word ficou tão de mau humor, que tive que ir comprar um docinho para ele, não agüento meu filhinho de mau humor, faço qualquer coisa para voltar a ver o seu sorrisinho maroto.

Ano passado, o Word comprou um guarda-roupa novo. Nunca vi uma moda com esse nome, "versão 7". Mas que ele ficou uma gracinha, todo bonitão isso lá ficou. Quando o invejoso do Excel foi buscar a sua, o alfaiate mandou ele sossegar, a versão dele ia demorar. Foi um custo amainar os espíritos lá em casa. O Excel aprontou a maior choradeira se ele pode, porque eu não posso? Lá tive que usar toda a minha psicologia de mãe pra consolar o coitado. Ainda para piorar, depois que acalmei o danado e ele foi dar uma cochilada, sentiu um duplo-clique nas costas e acordou todo faceiro: finalmente alguém queria falar com ele. Nunca vi esse guri levantar tão rápido. Mas foi só chegar na janela para ouvir hiiii! errei de ícone, não sei usar essa droga. Pronto, lá voltou ele com um bico deste tamanho. Que fazer, é a vida.

No último fim-de-semana, preparei um super café da manhã para os meus filhinhos. Mesa posta sobre o tampo do winchester, o Access, que só sabe dizer tô com fome, começou a se engraçar para cima das guloseimas dos demais. Primeiro roubou o chineque de silício do Excel. Dei uma bronca educada no Access. Daí, me distraí e quando vi, o danado tinha roubado a broinha de milho com DMA que eu comprei para o Word. Este começou a choramingar e eu a gritar. Não que seja histérica, mas perdi o controle. Despachei o Access de castigo para a memória estendida e fiquei mais de meia hora consolando o pobrezinho do Word.

Um outro dia estávamos todos vendo a novela das 8, quando, olhando pela janela, vimos um desconhecido qualquer pensando em voz alta. Pelo que entendi, ele queria preparar uma apresentação e não sabia se chamava o Point ou o Word. Fiquei no maior orgulho, qualquer um dos dois que ele chamasse, seria meu filho e afinal, eu sou superjusta. No fim, graças a São Gates, ele acabou chamando o Word. O Point não gostou muito, mas eu disse para se acalmar, que afinal não dá para ganhar todas.