Flagrantes: Uma corrida maluca moderna

Autor: Pedro Luis Kantek Garcia Navarro

 

Todos (bem, quase todos) devem se lembrar de um filme famoso com Tony Curtis, nos anos 70, em que uma corrida de carros teria lugar entre Paris e Moscou. O vilão era o Terry Thomas, aquele com os dentes da frente bem separados, um pândego. Depois teve um desenho animado baseado naquele filme, que vive passando na TV a cabo, em que um cachorro - acho que se chama Mutlig - tem uma risada característica (e enervante).

Agora, no século XXI, temos uma nova corrida maluca. Antes de descrevê-la, fico triste por ter de comentar uma iniciativa militarista, promovida para matar mais gente terceiromundista a custos (em vidas americanas) menores. Feita a ressalva, passo a descrever a corrida, pois do ponto de vista da ciência da computação ela é “o bicho”.

No dia 14 de março de 2004, até 20 competidores sairão para uma corrida de cerca de 400Km no Deserto de Mojhave (entre Las Vegas e Los Angeles). Os veículos deverão fazer o trajeto em menos de 10 horas e o vencedor será aquele que for mais rápido. Se nenhum veículo ganhar, o concurso se repetirá anualmente até 2007.

Qual é a dificuldade ? É que os veículos deverão ser autônomos, sem motorista e sem conexão de nenhum tipo a operadores humanos ou sistemas de controle não embarcados. Em outras palavras, a corrida é entre robôs e se hoje em dia é fácil construir um robot que ande a 1 ou 2 Km/hora, ainda não se tem idéia de como fazê-los andar 400Km na média de 40Km/hora de velocidade. A única iteração permitida entre homem e veículo é um botão de emergência que, quando pressionado pelo homem, determinará a completa parada do veículo.

O concurso atende pelo nome de “Grand Challenge” e é uma iniciativa da DARPA (Divisão de Pesquisas do Departamente de Defesa Americano http://www.darpa.mil/grandchallenge/). Em fevereiro de 2003 o concurso foi lançado. A DARPA esperava até 20 competidores, mas inscreveram-se mais de 100 deles. Como a carreira será escalonada, já que cada um deles vai sair em um determinado tempo, como se fosse um rallie de regularidade, a DARPA acabou escolhendo os 20 mais promissores. E com isso deixando 80 competidores fulos de raiva, pois esta redução não constava do planejamento original, foi um típico “tapetão” como se diz no futebol.

Os veículos deverão ser terrestres, não podem voar, mas podem saltar. Não podem atrapalhar os demais competidores. Terão de passar por obstáculos (estradas, viadutos, pontes sobre rios...). O real trajeto, através de suas coordenadas GPS, só será divulgado 2 horas antes da largada, através de um CD com o trajeto que a DARPA liberará aos competidores. Cada veículo terá de escolher o melhor caminho, viajar através dele e ainda evitar obstáculos recém introduzidos, por exemplo, o competidor anterior ter batido numa árvore e estar alí parado no meio da estrada. A rota será definida por meio de uma “estrada virtual” que terá larguras variando entre dezenas e centenas de metros. Qualquer saída desta estrada penalizará o competidor. Em alguns pontos chaves o sinal do GPS será apagado, a fim de obrigar que os competidores não se apoiem apenas nesta tecnologia.

As equipes mais robustas contam com patrocínio de fornecedores de tecnologia e de universidades famosas, tendo já investido centenas de milhares no projeto. As mais simples investiram entre 20 e 50 mil dólares. O prêmio prometido pela DARPA ao vencedor é de 1 milhão de dólares.