Gerência da arquitetura de tecnologia da informação e comunicação focada no processo de negócio
A alta disponibilidade e o bom desempenho da arquitetura de tecnologia da informação e comunicação (TIC) é vital para muitos processos de negócio. Num contexto de alta competitividade, as organizações privadas ampliam a cada dia o uso dos recursos de TIC para sustentação dos seus negócios, constituindo-se muitas vezes no elemento que faz a diferença entre o sucesso e o fracasso, entre a sobrevivência e a morte. Esta mesma tendência reflete-se no segmento de governo. Embora distante dos argumentos da competitividade e da sobrevivência, está presente a necessidade de reduzir os custos da administração pública, de melhorar e ampliar a qualidade dos serviços prestados à sociedade, de prover maior transparência das ações dos governantes e de criar condições para uma participação democrática mais efetiva do cidadão nas decisões sobre as políticas públicas.
A tecnologia da informação e comunicação ganha uma dimensão especial nos últimos dez anos, a partir da massificação do uso da Internet. Ela permite que o indivíduo interaja diretamente com as organizações, promovendo a desintermediação no acesso a um produto ou serviço, que pode ser obtido na hora e no local da sua vontade, e da forma como ele deseja. Tempo e espaço deixam de ter significância no mundo virtual. E isso traz impactos para a relação das organizações, privadas ou públicas, com o seu público alvo. A pressão por tempo na sociedade moderna reduz o grau de tolerância dos indivíduos na espera por atendimento, e a decisão de trocar de fornecedor no comércio eletrônico pode estar simplesmente no arrastar de um mouse (CAIRNCROSS, 2001).
A pressão pelo desempenho do processo de negócio desencadeia a pressão sobre a disponibilidade e o desempenho de toda a arquitetura de TIC que o sustenta. E o gerenciamento completo dessa cadeia de recursos constitui-se, cada vez mais, peça fundamental para o cumprimento dos objetivos organizacionais.
A gerência da arquitetura de TIC é constituída por diversas disciplinas (LEIWAND; CONROY, 1996), cada uma com características particulares e atendendo a objetivos diferentes, dentre as quais esse artigo destaca e limita-se a discutir a gerência de desempenho e disponibilidade.
Gerenciando por completo a arquitetura de TIC
A cadeia de recursos que sustenta um processo de negócio está cada vez mais complexa, devido à diversidade de tecnologias, à diversidade de alternativas para suprir um mesmo requisito de aplicação, a multiplicidade de fornecedores. Contribuem também a própria distribuição geográfica dos ambientes operacionais e a necessidade de controle centralizado. Muito comum ainda nos dias de hoje, o gerenciamento isolado das diversas partes da cadeia, quando existe, torna-se cada vez menos eficiente se olhado a partir dos objetivos de negócio da organização.
É preciso que toda a cadeia de recursos da arquitetura de TIC seja gerenciada de maneira integrada a partir da visão dos processos de negócio aos quais ela serve. O gerenciamento isolado das partes continua tendo o seu papel, até porque as estruturas de recursos humanos e de capital intelectual associado, para fazer com que cada recurso cumpra com o seu objetivo dentro da arquitetura de TIC estão ilhados nos meandros da estrutura funcional da organização. É normal que cada área cuide do gerenciamento da sua parte: da infra-estrutura de rede, dos servidores (OLIVEIRA; SARTORATO; SCHULTZ, 2003), dos bancos de dados, e de outros recursos. No entanto, é necessário que alguém cuide de enxergar o todo, pois no gerenciamento isolado dos recursos não há como se conhecer os impactos do comportamento de uma peça no conjunto.
A organização de um sistema de gerência da arquitetura de TIC focado no processo de negócio se inicia pelo gerenciamento das partes. Pressupõe que todos os elementos da cadeia sejam gerenciados, cada qual de acordo com os processos estabelecidos para aquele tipo de recurso, ou conjunto deles (RECH FILHO, 1996). Os eventos de gerenciamento gerados pelos diversos recursos são direcionados para um ponto focal, uma console de convergência e correlação de eventos. A partir do conhecimento da cadeia de recursos que contribuem para a realização de um processo de negócio e da recepção dos eventos oriundos dos seus elementos, é possível determinar, a qualquer instante, o estado operacional da arquitetura de TIC de forma holística e, em decorrência, saber com que grau de eficiência ela está atendendo o processo de negócio.
Desenhando a console de convergência de eventos
A console de eventos é a peça fundamental do sistema de gerência da arquitetura de TIC focada no processo de negócio, e a qualidade do seu projeto determina o sucesso da implementação. Cada processo de negócio é mapeado na console através de um grafo (SOTILE, 2003), como exemplificado na figura 1, onde devem estar presentes todos os elos da cadeia e as dependências entre eles. Cada elo possui as informações necessárias para determinar o estado operacional e o desempenho do recurso que ele representa, informações estas que são obtidas na troca de mensagens entre a console e os sistemas de gerenciamento do respectivo recurso. A figura 2 exemplifica esta relação de troca de mensagens.
Figura 1 - Mapeamento de um processo de negócio
Figura 2 - Comunicação entre a console corporativa e os sistemas de gerência
Outra funcionalidade presente na console de convergência é a capacidade de correlacionar eventos. Olhando-se para o grafo que modela o processo de negócio, verifica-se que a indisponibilidade de um recurso causa automaticamente a indisponibilidade de todos os recursos que dele dependem, gerando um alarme para cada recurso, o que não interessa para as ações de correção do problema. Correlacionando-se os eventos é possível determinar exatamente o recurso com problema e emitir um único alarme para a área responsável. A gestão dos problemas é realizada por um sistema de help desk interligado com a console de convergência.
Analisando um processo de negócio, a partir do seu grafo e das informações sobre o estado de cada recurso nele representado, é possível determinar o estado operacional e o desempenho de toda a arquitetura de TIC que o sustenta. Numa outra visão, olhando-se a partir de um recurso específico de TIC, é possível determinar o impacto de uma intervenção, ou do seu desempenho, sobre os diversos processos de negócio da organização.
A heterogeneidade dos recursos de TIC obriga a adoção de padrões abertos para os serviços de gerência, buscando-se uma forma única para representar a estrutura de dados que modela cada um dos recursos, e um protocolo para a troca de mensagens entre o recurso gerenciado e o sistema de gerência. O uso de protocolos de gerência proprietários obriga que as ferramentas de gerência a serem incorporadas no sistema para a provisão de informações de todos os recursos de TIC pertençam a uma mesma plataforma, criando mercado cativo para um único fabricante (RECH FILHO, 1996). É imprescindível que o desenho da console de convergência de eventos contemple a adoção de protocolos padronizados e abertos, com larga aceitação no mercado, como forma de garantir escalabilidade na implantação do sistema integrado de gerência. Não é necessário que um único protocolo padrão sirva à comunicação com todos os sistemas de gerência departamentais dos recursos, devendo haver flexibilidade no desenho da console que permita as melhores escolhas para cada caso.
Considerando o papel de integração em um ponto focal das informações de gerência dos diversos recursos para se conhecer a disponibilidade e o desempenho da arquitetura de TIC de um processo de negócio, o desenho do modelo de informação para a console de convergência de eventos deve ser mínimo. Apenas interessam à console as informações de quão bem cada recurso está contribuindo para o processo de negócio. Os detalhes do comportamento dos recursos, necessários para apoiar as ações pró-ativas de sua manutenção e operação, interessam aos especialistas nas áreas responsáveis, conforme a estrutura organizacional.
Gerenciando os elos da cadeia de recursos
Para que a console de convergência cumpra com seu papel no sistema, os eventos que para ela convergem são encaminhados pelos sistemas de gerência de cada recurso, ou conjunto deles, implementados e mantidos pelos seus respectivos especialistas. Estes sistemas de gerência, diferente da console de convergência, trabalham com modelos de informação ampliados, contendo informações detalhadas a respeito da operação e do comportamento do referido recurso, assim como permitem intervenções operacionais.
O gerenciamento dos diversos grupos de recursos de TIC faz parte da missão de implementação, configuração e manutenção dos recursos em cada área, onde os especialistas escolhem as ferramentas ou os sistemas que sejam mais adequados. As ferramentas que se prestam ao gerenciamento eficiente de dispositivos de rede, como routers e switches, podem não ter a mesma capacidade para gerenciar os servidores ou as aplicações, requerendo-se outro conjunto de ferramentas ou de protocolos para se garantir igual eficiência. Embora o uso de protocolos padronizados e abertos seja desejado, é possível que alguns segmentos da arquitetura de TIC tenham o seu gerenciamento mais eficiente sendo realizado por uma ferramenta proprietária, para a qual deve-se buscar alguma forma de integração com a console de convergência de eventos.
No momento em que as informações emergem do gerenciamento dos recursos isolados, aquelas que constituem o modelo de informação do sistema integrado devem ser encaminhadas à console corporativa utilizando os protocolos abertos e padronizados que foram escolhidos. As ferramentas individuais têm de possuir interfaces de comunicação que implementem esses protocolos, independente de como ocorra a troca de informações com seu universo de recursos gerenciados.
Protocolos abertos de gerência
O mercado de ferramentas de gerência para redes corporativas adota em larga escala o padrão SNMP (Simple Network Management Protocol), que pela sua simplicidade e facilidade de implementação sobrepujou a complexa arquitetura CMIP (Common Management Information Protocol) padronizada pela ISO (RECH FILHO, 1996; STALLINGS, 1999). No entanto, a simplicidade do SNMP acaba por complicar o gerenciamento de estruturas mais complexas, e por isso um novo padrão mais recente, denominado WBEM (Web-Based Enterprise Management) busca espaço no mercado, encontrando-se já implementações em vários fabricantes (DMTF, 2004; HARNEDY, 1999).
Conceitualmente os dois padrões são semelhantes, com uma arquitetura baseada em quatro elementos básicos, como mostra a figura 3: o gerente, o agente, o modelo de informação e o protocolo para troca de mensagens. Diferem entre si nos protocolos que utilizam para a realização dos serviços e na forma como são implementados.
Figura 3 - Modelo de Gerência em Sistemas Abertos
O gerente é uma aplicação que contém toda a lógica do sistema de gerência e a partir da sua comunicação com os agentes responde pela apresentação das informações. Dependendo da estratégia adotada, podem existir múltiplos gerentes em um sistema, cada qual cuidando de parte dos recursos, gerentes estes que podem integrar-se para realizar a apresentação dos resultados em um único ponto. Na arquitetura WBEM os gerentes são denominados “clientes”.
Os agentes são códigos de software implementados junto ao recurso que está sendo gerenciado e são responsáveis pela captura das informações sobre as operações e o comportamento do recurso. Estas informações são coletadas junto às áreas dos sistemas operacionais do recurso gerenciado e colocadas em uma estrutura padronizada. Assim, existe o agente do roteador, o agente do sistema operacional e o agente da aplicação do processo de negócio, dentre outros. Na arquitetura WBEM os agentes são denominados “provedores”.
O modelo de informação de gerência é a estrutura padronizada onde são armazenadas as informações coletadas pelos agentes junto aos recursos gerenciados, as quais serão acessadas pelos gerentes de acordo com a lógica estabelecida. O modelo padronizado permite que um gerente possa lidar com a heterogeneidade de todos os recursos de um mesmo tipo, por exemplo os sistemas operacionais, como se fossem de um único fabricante: para o sistema de gerência não existe um modelo de informação para Linux, Windows, Netware ou para outros sistemas, mas sim o modelo de informação de um sistema operacional. Com isso, pode-se gerenciar a totalidade dos servidores de um data center a partir de um único programa gerente. Na arquitetura SNMP o modelo de informação é conhecido por MIB (Management Information Base), e no WBEM por CIM (Common Information Model).
O protocolo para troca de mensagens define as operações implementadas pela arquitetura e o formato das mensagens que serão trocadas entre gerentes e agentes para a realização dos serviços de gerência. No SNMP o protocolo leva o mesmo nome da arquitetura, enquanto que no WBEM o protocolo adotado usa XML (eXtensible Markup Language) para a codificação das mensagens e o HTTP (Hiper-Text Transfer Protocol), o mesmo usado para a troca de mensagens entre os browsers e os servidores Web, para o seu transporte na rede. As operações de gerência concentram-se em três tipos básicos: o gerente se comunica com os agentes para solicitar informações da MIB ou para nela realizar modificação de conteúdos; os agentes se comunicam com o gerente para informar ocorrências de anormalidades percebidas no recurso gerenciado.
Os ganhos com a gerência focada nos processos de negócio
A utilização de protocolos abertos e padronizados possibilita, portanto, o gerenciamento de todos os recursos que compõem a arquitetura de TIC, independente do tipo de recurso, das tecnologias empregadas e dos seus fabricantes. Somando-se a isso a organização dos recursos gerenciados, estabelecendo-se as dependências entre eles com foco nos processos de negócio da organização, pode-se esperar ganhos como:
- Visão completa e integrada do comportamento de todos os recursos de TIC que formam o suporte a um processo de negócio;
- Ação pró-ativa das áreas envolvidas para evitar a ocorrência de problemas de disponibilidade e desempenho;
- Identificação rápida de onde está localizado o problema e quais as suas causas, para encaminhar a solução e ter respostas imediatas e precisas para os usuários afetados;
- Gestão integrada dos recursos de TIC com visibilidade para toda a organização, em lugar da gestão departamentalizada por tipo de recurso;
- Gestão completa dos problemas, a partir do registro automático de cada ocorrência e do respectivo processo de solução;
- Maior controle e facilidade nas mudanças no ambiente de TIC, pelo conhecimento dos impactos de cada recurso nos processos de negócio.
Estratégia de abordagem
A implementação de um sistema de gerência não é uma tarefa trivial. Primeiro porque exige mudanças culturais na organização, onde é comum a arquitetura de TIC crescer sem controle, pois a prioridade se desloca, de forma cômoda, para a execução, objetivando atender a demanda crescente dos usuários. Segundo, porque mexe com os processos operacionais e, principalmente, porque os organiza, os documenta e os torna visíveis para toda a organização e, com isso, sujeita-os a controles externos à área responsável. Terceiro, porque as aplicações de gerência acabam ficando complexas por lidar com um mundo altamente heterogêneo e volátil, exigindo capital intelectual com conhecimento em arquiteturas e protocolos.
Uma estratégia de abordagem para conduzir ao sucesso deve considerar, no mínimo:
- A filosofia da simplicidade. Deve-se iniciar com processos simples, em áreas que já estão mais organizadas, com modelos de informação reduzidos. Na medida em que adquire experiência e cultura, a própria área começa a demandar operações mais complexas, para satisfazer necessidades em um patamar mais elevado;
- Iniciar pela revisão, organização e documentação dos processos de gerência, dando a eles maior importância do que ao instrumental. Os processos devem estabelecer claramente as atribuições e responsabilidades para cada recurso. Ferramentas eficientes de gerência implantadas sem processos bem definidos não produzem os efeitos esperados;
- Definir os requisitos e o modelo de informação de gerência integrada a partir da visão das áreas responsáveis pela gerência dos respectivos recursos, consolidando-os na visão da empresa. Adotar como princípio que as atividades de gerenciamento dos recursos continua sendo das respectivas áreas;
- Adotar produtos modulares para cada tipo de recurso, ou conjunto de recursos afins, de forma a permitir a evolução ou substituição isolada de partes do sistema sem afetar o conjunto. Considerar a continuidade de uso de soluções já existentes nas áreas e avaliar como elas podem comunicar-se com o sistema corporativo;
- Disseminar a cultura e os conhecimentos de gerência, seja em tecnologia como em gestão de processos, nas áreas da organização envolvidas nas operações dos recursos de tecnologia da informação e comunicação.
Conclusões
A implantação bem sucedida da gerência integrada da arquitetura de tecnologia da informação e comunicação, focada nos processos de negócio, organiza e estabelece controle sobre os processos operacionais, oferecendo informações para o planejamento eficiente e o crescimento ordenado da arquitetura de TIC. Favorece a pró-atividade nas ações para evitar a ocorrência de problemas e a sua rápida identificação e correção, quando vierem a ocorrer. Isto implica a ampliação da disponibilidade e do desempenho dos recursos que sustentam os processos de negócio, elevando o patamar de prestação de serviços da organização para o seu mercado.
Referências
1. CAIRNCROSS, F. The Death of Distance: how the communications revolution is changing our lives. Boston: Harvard Bussiness School Press, 2001.
2. DMTF. Web-Based Enterprise Management Initiative. Disponível em: <http://www.dmtf.org/standards/wbem>. Acesso em: abr. 2004.
3. HARNEDY, S. Web-based management for the enterprise. Upper Saddle River: Prentice Hall, 1999.
4. LEIWAND, A.; CONROY, K. F. Network management: a practical perspective. Boston: Addison-Wesley, 1996.
5. OLIVEIRA, F. L.; SARTORATO, H. H.; SCHULTZ, Y. D. Implementação da gestão operacional de pequena e média plataforma com eficiência e baixo custo. Bate Byte, Curitiba, v. 13, n. 136, out./nov. 2003.
6. RECH FILHO, A. Estudos para a implantação de uma gerência de rede corporativa utilizando arquitetura de protocolos abertos. Curitiba, 1996. 147 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia Elétrica e Informática Industrial) - Centro Federal de Educação Tecnológica do Paraná.
7. SOTILE, I. A. Graphviz: uma ferramenta para geração de grafos. Bate Byte, Curitiba, v. 13, n. 135, set. 2003.
8. STALLINGS, W. SNMP, SNMPv2, SNMPv3 and RMON1, RMON2. Boston: Addison-Weslwy, 1999.