Grandes empresas, pequenos negócios: uma paródia
Autor: Jorge Haas
Certo dia, o Sr. Rolando Bitle resolveu abrir seu próprio negócio e, numa missão abrangente do mercado, optou por uma padaria, que só faria pão sob encomenda, num bairro onde não havia estabelecimento deste tipo.
Como o seu produto era sofisticado, achou que o certo seria montar uma grande estrutura para atender sua demanda. Vamos aos nossos personagens:
. O balconista, ou melhor, a pessoa indicada para aceitar as encomendas cuja função era basicamente essa "aceitar as encomendas". Tinha que ser uma pessoa "despachada", isto é, ter um bom relacionamento pessoal, bem falante (de preferência sobre qualquer assunto) e, preferencialmente, transmitisse confiança às pessoas que vinham fazer encomendas. Que fosse enfático nos seus pareceres e que não deixasse qualquer argumentação sem uma boa resposta. Esse Aceitador de Encomendas precisava esquecer, se é que algum dia tivesse sabido, a expressão "não sei".
. O Mestre Padeiro. Alguém que tivesse muita experiência em fazer pães e um senso de planejamento apuradíssimo. Sua função era receber as encomendas do Aceitador de Encomendas e distribuir as tarefas aos padeiros. Como vimos, essa função era de muita responsabilidade, e todos os padeiros queriam exercê-la. Mesmo interinamente.
. Os padeiros. Um agrupamento de pessoas com conhecimentos, experiências e atribuições diversas, cujo objetivo (do grupo) era atender às determinações do Mestre Padeiro. Assim, tinham os especialistas em quebrar ovos, os misturadores de trigo ou outra farinha qualquer, os adicionadores de ingredientes, os amassadores e os enformadores. Pronto, só falta a linha de produção executar o seu trabalho!
. A linha de Produção. Como é um procedimento bastante complexo, convém detalhar as atividades desse grupo:
- O encarregado do planejamento do atendimento ou de toda a linha de produção, não ficou bem claro! Vamos detalhar: A partir das informações oriundas do Mestre Padeiro ou seu preposto, planejar a execução da assadura dos pães enformados até a liberação das formas, para novo uso dos padeiros. Esse planejamento deveria ser feito em um cronograma que serviria de base para as demais atividades.
- O transportador, que busca as formas com pão e os devolve aos padeiros. Pensou-se em dividir em duas funções distintas, mas essa idéia não vingou.
- Os enformadores, que tinham uma grande responsabilidade em otimizar o uso dos fornos através de uma perfeita organização das formas dentro dos fornos.
- Os foguistas, com a responsabilidade de manter os fornos funcionando.
- Os entregadores, com suas bicicletas velozes e um perfeito sistema de controle de entregas. Nenhuma entrega se processa sem que esteja devidamente registrada.
- Já estava esquecendo, mas tem também o assessor técnico, cuja principal função é pesquisar novas tecnologias a serem usadas na fabricação de pães e novas receitas que poderiam ser colocadas à disposição.
Com o passar do tempo, e a empresa já estabelecida no mercado, houve, naturalmente, um crescimento da estrutura e surgiram as figuras de destaque, como Mestre Enfornador, Mestre Foguista etc. A responsabilidade desses era óbvia: tinham que zelar pelo bom funcionamento de suas áreas.
Tudo corria bem, enquanto as encomendas eram do tipo "20 pãezinhos de água para amanhã à noite" ou "15 pães de queijo para segunda de manhã". Eventualmente ocorria algum pequeno atraso, mas nada grave. Tem-se notícias também, que houve algumas entregas incorretas às vezes devido a fogo demais, às vezes fogo de menos a até troca de encomendas. Nada que o Sr. Rolando, pessoalmente não tivesse resolvido facilmente, bastando distribuir alguns pirulitos para os filhos dos donos das encomendas.
Porém, certo dia apareceu nosso derradeiro personagem: o cliente.
Como esse personagem, apesar de ser o último a ser apresentado, traz consigo um estigma muito forte de mau sujeito e, já que apareceu, veio certamente para tumultuar, vamos seguir a nossa estória passo a passo:
a) O tal cliente (C) por uma dessas vias da vida chegou ao balconista, digo atendedor (A), e deu-se o seguinte diálogo:
- C: "Boa tarde, eu gostaria de fazer uma encomenda".
- A: "Já sei! O senhor quer uma bela broa para a próxima semana, certo?"
- C: "Bem, mais ou menos. Na verdade eu estava pensando em ..."
- A: "Não se preocupe senhor, nós fazemos qualquer coisa que o senhor queira, os nossos técnicos são perfeitos, temos a maior estrutura do bairro neste tipo de comércio, o nosso lema é "peça o pão que nós faremos". Que tal pão de queijo recheado com pão de água, hem?"
- C: "É, na verdade eu estava pensando em algo não tão sofisticado, mas, ao mesmo tempo mais específico, ..."
- A: "De qualquer maneira pode contar conosco".
- C: "Quero encomendar dois milhões de pães, e que fosse metade branco, metade preto".
- A: "Perfeito! Na quarta-feira da próxima semana vou lá na sua casa fazer uma visita". E, com um ar de cumplicidade completou: "Se você prometer me pagar um cafezinho...".
Feito o pedido, o cliente foi cuidar de seus afazeres, enquanto o Aceitador de Encomendas foi repassar o pedido para o Mestre Padeiro.
b) O repasse da encomenda do Atendedor para o Mestre Padeiro foi bastante complicado porque o Mestre Padeiro começou a inventar dificuldades: "Qual o tamanho dos pães?
Quando eles devem ser entregues?". Para preparar esse volume tão grande serão necessários vários dias para o preparo. "Podemos preparar a encomenda por etapas? Que tal primeiro os brancos e depois os pretos?".
Com todas essas dúvidas, o Aceitador de Encomendas e o Mestre Padeiro combinaram que iriam juntos no cliente na quarta-feira para tirar as dúvidas e já levariam uma amostra de três pães de cada tipo para obter a aprovação do cliente.
c) O preparo das amostras.
O Mestre Padeiro, já mais tranqüilo porque isso ele sabia fazer bem, e, afinal, qual a dificuldade de se fazer seis pães? Pegou uma de suas receitas e distribuiu os trigos aos padeiros, que, apesar de uma ou outra reclamação de que o salário estava muito baixo e que as condições de trabalho não estavam ideais, fizeram as misturas e esformaram os seis pães.
Através de um formulário próprio, solicitaram à área de produção que efetuasse o assamento dos pães e indicaram que a entrega fosse feita aos próprios padeiros.
Na primeira tentativa, houve um pequeno problema porque os padeiros não tinham especificado o tempo de forno e os pães, que deveriam ser brancos, ficaram pretinhos.
Como era um erro interno, os próprios padeiros refizeram a receita (ligeiramente diferente da receita do Mestre Padeiro) e pediram novamente que fossem assados.
Desta vez houve um problema no forno, que inviabilizaria que as amostras ficassem prontas na quarta-feira. Por sorte havia sido cancelada uma outra encomenda de pães pretos que poderiam ser usados para amostra, já que tinham bastante semelhança com os pães que não ficaram prontos.
d) Quarta-feira - visita ao cliente.
Lá foram, o Aceitador de Encomendas e o Mestre Padeiro, com um pacote de pães embaixo do braço, demonstrar ao cliente a qualidade dos produtos por eles desenvolvidos. Na última hora, eles haviam conseguido alguns pães brancos não se sabe bem aonde, mas o importante era que a amostra estava perfeita. Foi assim:
- C: "Puxa, pensei que vocês não viessem mais...".
- A: "Sabe como é! A gente vive correndo, nem tem tempo de fazer tudo o que é necessário, mas eu tenho certeza que você vai gostar do nosso produto, ...".
- C: "Mas eu não estou vendo a caminhonete de entrega, a que horas ela chega?
e) O Resultado.
- A: "Bom! Na verdade nós viemos aqui para fazer uma demonstração de nossos produtos. Tivemos um trabalho enorme para alcançar a consistência ideal da sua encomenda, que, aliás, é muito interessante."
- MP: "Sim. Inclusive trouxemos essas amostras para que o Sr. Prove e nos diga se não são realmente deliciosas. Veja, esse é o pão preto, prove... . Esse é do branco. E então, não são do seu agrado?"
- C: "É, até que são gostosos. Imagino como seriam metade preto, metade branco, como pedi...".
Até hoje, dois anos depois daquela primeira entrevista a encomenda não foi totalmente atendida, mas ainda há otimismo.