Internet2, a Próxima Geração
Autor: Fernando José Fendrich - GPS
Você já ouviu falar da Internet2? Bem, às vezes ouvimos falar das novidades mas não sabemos muito bem do que se trata, ou fazemos uma idéia errada do que seja. Também é assim com a Internet2: a maioria daqueles que já ouviram falar acha que é uma nova rede que irá concorrer com a Internet atual. Alguns querem até saber qual o provedor que já disponibiliza acesso à nova rede.
O que de fato está ocorrendo é uma evolução ou continuação. Tanto é assim que temos visto artigos que se referem a essa nova geração como "Internext". Por isso escolhemos o título deste artigo parecido com o daquelas continuações de filmes, tipo "Rambo 2, a Missão": o conceito principal que devemos ter sobre a Internet2 é o de que ela representa a evolução, a continuidade natural da evolução tecnológica atual, que nos levará a um novo patamar de softwares, padrões, aplicações, infra-estrutura de comunicações e tudo o mais que faz a Internet funcionar.
Atualmente já há uma série de iniciativas em execução, com objetivo de preparar este salto tecnológico para a Internet. Estas iniciativas, por enquanto, são apenas no âmbito do governo e da comunidade acadêmica. A história se repete: assim como a Internet iniciou como um projeto do governo dos Estados Unidos e depois espalhou-se pela comunidade acadêmica para somente então atingir o grande público em escala comercial, a Internet2 também inicia com projetos do governo e da comunidade acadêmica americanos.
Na figura "O Ciclo da Inovação" podemos perceber este desenvolvimento em espiral: a pesquisa iniciando no âmbito do governo, depois envolvem-se os primeiros parceiros com a participação da comunidade acadêmica e aparecem os protótipos. Em seguida estes parceiros, absorvendo a experiência adquirida nos protótipos (transferência de tecnologia) oferecem os serviços pioneiros, que mais tarde alcançarão toda a sociedade e entrarão em operação comercial. Na Internet, estamos neste último quadrante da figura, enquanto na Internet2 as iniciativas concentram-se no primeiro quadrante, tentando viabilizar as condições para entrar no segundo.
Vamos ver como andam estas iniciativas? Quer saber mais sobre como será a Internet do início
próximo milênio? Então prepare-se: alguns números podem assustar...
A Iniciativa NGI – Next Generation Internet
Este é um dos projetos prioritários da Casa Branca (Governo dos Estados Unidos), que prevê investimentos de US$ 100 milhões/ano até 2002, através do desenvolvimento de diversos projetos no âmbito das agências governamentais, como a NASA (Administração Aeronáutica e Espacial), NSF (Fundação Nacional de Ciências), DARPA (Agência de Pesquisas Avançadas do Departamento de Defesa), DOE (Departamento de Energia) e outras.
O objetivo é desenvolver aplicações que serão de 100 a 1000 vezes mais rápidas que as da Internet atual. Cada uma destas agências já elegeu os aplicativos, com características de multimídia e interatividade, que serão desenvolvidos e a expectativa é chegar ao ano 2000 com um backbone com taxas de transmissão entre 1 e 2 Gbps. A DARPA, utilizando tecnologia WDM, tem como meta para 2002 estabelecer 10 nós conectados a 160 Gbps, em caráter experimental.
Os números são estes mesmos... Para quem quiser maiores detalhes, pode conseguí-los em http://www.ngi.gov.
Internet2
Internet2 é o nome que se dá a um projeto que reúne os esforços de 120 universidades americanas no sentido de desenvolver tecnologias Internet mais avançadas e aplicações voltadas às áreas de pesquisa e educação. Seus investimentos ultrapassam US$ 50 milhões/ano e ocorrem em cooperação com a Iniciativa NGI do Governo dos Estados Unidos.
Para viabilizar estas aplicações avançadas, as Universidades projetaram a vBNS (very high performance Backbone Network Service), que interconectará mais de 100 instituições de pesquisa e integrará 5 centros de supercomputação a 2,4 Gbps já no ano 2000.
Atualmente, qualquer Universidade americana que desejar se integrar ao Consórcio Internet2 precisará de um link mínimo de 155 Mbps para ser aceita, sendo que o desejável é 622 Mbps. Outros detalhes sobre a Internet2 você pode conseguir em http://www.internet2.edu.
Algumas aplicações viabilizadas pela Internet2
Existem algumas aplicações que não podem ser construídas na Internet atual por algumas de suas limitações, que serão contornadas pela Internet2. Vejamos alguns exemplos:
a) Intervenções cirúrgicas à distância: hoje não são viáveis porque não há garantia de que todas as partes da transmissão chegarão ao destino. Exemplo prático já foi tentado numa operação remota da vesícula de um porco. Remotamente um cirurgião mandava as ordens: bisturi mais à direita, mais à esquerda, mais para baixo, cortar. Uma das ordens de posicionamento do bisturi se perdeu e o corte foi feito no lugar errado. Felizmente o porco sobreviveu... A Internet2 tem garantia de banda passante, além da rapidez da transmissão, o que garantirá que partes da transmissão não se perderão.
b Análises laboratoriais à distância: um pesquisador enviará pelo Correio uma amostra para análise laboratorial em um supermicroscópio eletrônico, reservando para tal dia, X minutos de uso remoto do equipamento. Na hora marcada, via Internet ele comandará o microscópio, analisando a amostra enviada, podendo mexer no foco, brilho, contraste e posição das lentes, tendo todas as possibilidades de análise que teria caso o estivesse manejando pessoalmente.
c) Monitoramento da saúde: um usuário de marcapasso poderá instalar em sua casa, escritório, etc., sensores que captam informações enviadas pelo marcapasso. Caso estes sensores detectem algo de anormal, acionarão, via Internet, os computadores dos médicos ou do hospital, enviando via mail os dados recebidos do marcapasso, de modo que chegarem para atender o paciente, os médicos já terão todos os dados da anormalidade fornecidos pelo aparelho. A lentidão da Internet atual não favorece esse tipo de aplicativo, previsto pela Internet2.
d) Bibliotecas digitais: oferta de imagens de alta resolução com reprodução quase imediata na tela do computador. Possuirão capacidade de reprodução de imagens, áudios e vídeos de alta fidelidade: atualmente a Biblioteca do Vaticano já disponibiliza parte do acervo de documentos raros via Internet (que inclusive não podem ser tocados sem cuidados especiais porque a umidade das mãos prejudica a conservação dos antiquíssimos documentos) e a tendência no futuro é que, assim como as livrarias estão se tornando virtuais (Amazon Books, Lucida Sans Unicode BookNet) também as bibliotecas se tornarão. Várias delas, ao redor do mundo, já iniciaram o processo de digitalização dos seus acervos, para futura disponibilização de acesso. Hoje é demorado baixar certos documentos ou livros pela Internet, contudo a Internet2 tornará isto possível.
e) Ensino à distância: aulas poderão ser ministradas em vários pontos remotos, com vídeo e áudio trafegando nos vários sentidos com grande rapidez. Atualmente, numa teleconferência para vários pontos, se em 2 ou mais destes se falar ao mesmo tempo, só recebemos ruídos ininteligíveis, o que será eliminado com os recursos da Internet2. Outros recursos como os quadros brancos (whiteboards) compartilhados serão viabilizados. Podemos escrever nestes quadros, copiar e colar arquivos, objetos ou figuras do nosso computador que serão automaticamente propagados (isto chama-se "multicast" ou "multicasting") para todos os demais usuários conectados àquele whiteboard. É como se todos estivessem escrevendo e colando no mesmo quadro e vendo também tudo o que os outros estão fazendo.
Estas aplicações estão em fase de desenvolvimento ou já em protótipo, tanto nas universidades quanto nas agências do governo americano, porém somente estão acessíveis no âmbito governamental ou acadêmico. Algumas demonstrações já têm sido feitas em eventos e congressos, com belíssimos resultados, para deleite do público ainda acostumado com a nossa Internet.
As Novas Tecnologias que virão com a Internet2
Do ponto de vista técnico, a Internet2 tem várias novidades, que resolvem muitos dos problemas existentes hoje na Internet. Não se trata simplesmente de aumentar a velocidade das linhas, porque há outros "gargalos" a eliminar e novos serviços a implementar. Vejamos algumas das evoluções propiciadas pela Internet2:
a) GigaPoPs: estruturas responsáveis pela comutação e gerenciamento de tráfego entre as redes de uma mesma região. Tem por finalidade efetuar a troca do tráfego Internet2 de acordo com a velocidade e qualidade de serviço (QoS) especificados pelo usuário, em tempo real. Farão a contabilização de uso, o agendamento de eventos na rede, proverão os serviços de conectividade e a resolução de problemas.
b) Protocolos: a Internet2 suportará a nova versão do TCP/IP, chamada de IPv6. A Internet de hoje só suporta o IPv4: todos os computadores que acessam a Internet têm um endereço IP nesse padrão. É um número como 200.6.40.33, dividido em 4 partes que vão até o número 255. Com o crescimento exponencial da Internet, temia-se a possibilidade de não haver mais números disponíveis para os novos usuários em um futuro próximo. Este endereçamento de 32 bits do IPv4 foi estendido para 128 bits no IPv6, além da inclusão de outras funcionalidades no novo padrão que aumentarão a segurança do tráfego e a qualidade de serviço (QoS). Prevê, também, padrões de convivência entre o IPv4 e o IPv6, de modo que a implantação do novo endereçamento poderá ser gradual. Não irei me alongar no detalhamento das características do IPv6. Quem quiser saber mais poderá obter em http://playground.sun.com/pub/ipng/html/.
c) QoS: é a sigla de Quality of Service. Este conceito abriga uma série de implementações na Internet2. O usuário poderá especificar a qualidade do serviço que deseja obter, que poderá ser diferente para cada aplicação. Quando entrar em operação comercial, certamente o usuário pagará mais pelo serviço de maior qualidade e terá serviços mais baratos quando precisar de menos qualidade. Para enviar um e-mail comum, por exemplo, não haverá necessidade de pedir qualidade elevada, o custo será baixo. Para aplicações mais críticas, a qualidade exigida será maior e o custo também.
Isto é muito importante porque hoje nenhum serviço tem prioridade sobre outro na Internet: um e-mail e um vídeo trafegam igualmente, concorrendo na rede. Na Internet2, com as implementações de QoS, haverá possibilidade de priorizar serviços sobre outros (o protocolo IPv6 permite a implementação de prioridades, que serão gerenciados nos GigaPoPs).
QoS permitirá ao usuário escolher a velocidade da transmissão (mínima e máxima), atraso (tempo máximo de interrupção aceitável, para garantir o fluxo contínuo da transferência da informação), "throughput" (quantidade de dados transmitidos em um certo tempo: o usuário pode especificar que 1 terabyte de informação seja transferido em 10 minutos) e até fazer agendamento (requisitar uma conexão que esteja disponível em horários futuros por tempo pré-determinado, como no exemplo que já demos das análises laboratoriais à distância).
Quem garantirá que esta qualidade dos serviços será mantida? Isto é função dos GigaPoPs.
a) Multicast: capacidade de propagar dados para múltiplos pontos de recepção a grande velocidade. Quando falamos de ensino à distância, demos o exemplo dos "whiteboards", que são uma aplicação prática de multicast na Internet2.
b) Velocidade de transmissão: novas tecnologias estão em fase de pesquisa para proporcionar novos saltos nas velocidades de transmissão. A grande maioria das Universidades conectadas à Internet2 está com links de 622 Mbps, porém as pesquisas concentram-se em tecnologias que tornarão possíveis as velocidades de algumas dezenas e até centenas de Gigabits por segundo (Gbps).
O Brasil e a Internet2
Não há qualquer possibilidade imediata de conexão da rede acadêmica brasileira (RNP) à Internet2 porque, como vimos, o link mínimo exigido é de 155 Mbps e não há, por enquanto, infra-estrutura física de comunicação de dados nesta velocidade, ligando o Brasil com os Estados Unidos.
Entretanto, a estratégia brasileira é a de implementar estes links de alta velocidade em ambientes metropolitanos e desenvolver aplicações e tecnologias de nova geração nestes ambientes, ainda que limitados geograficamente. A primeira fase deste projeto já está em andamento, com projetos de vídeo conferência, ensino à distância, diagnóstico médico remoto e acesso a bibliotecas e museus virtuais, nas cidades de Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Goiânia. Estes projetos contam com a participação de universidades, centros de pesquisa e empresas, visando capacitá-los no uso e desenvolvimento de aplicações avançadas em Internet, estabelecendo as bases para a expansão do sistema.
A médio prazo, a intenção é integrar estas redes metropolitanas, formando um backbone nacional de alta velocidade, além de implementar os primeiros GigaPoPs nacionais e viabilizar a ligação à Internet2 existente nos Estados Unidos, quando então já teremos empresas, universidades e recursos humanos capacitados a desenvolver nossas próprias aplicações.
Você poderá obter outras informações sobre a Internet2 no Brasil no endereço http://www.rnp.br
Ficou com vontade de conhecer a Internet2? Não precisaremos esperar tanto para vê-la em ação: em poucos anos tudo que vimos será tão comum quanto hoje é comprar livros pela Internet, algumas implementações já estão gradualmente sendo absorvidas pela Internet atual, à medida que evolui o ciclo da inovação. Para concluir, um pouco de futurismo: como você acha que será a Internet3?
Referências Bibliográficas:
O CICLO da inovação na Internet. Disponível na Internet. http://www.farnet.org/cheyenne.
O CONSÓRCIO de universidades da Internet2. Disponível na Internet. http://www.internet2.edu.
A INICIATIVA NGI do Governo dos Estados Unidos. Disponível na Internet. http://www.ngi.gov.
A NOVA versão do protocolo TCP/IP, o IPv6. Disponível na Internet. http://playground.sun.com/pub/ipng/html/
REDE Nacional de Pesquisas (RNP). Disponível na Internet. http://www.rnp.br.
RIBEIRO FILHO, José luiz. A próxima geração Internet. Curitiba : CITS, 1998. (Palestra
proferida no evento Hora do CITS - 06/05/1998).
TAROUCO, Liane. Internet2 : um salto em quantidade e qualidade. São Paulo, 1998. (Palestra proferida durante a Internet World 98, em São Paulo - 21/05/1998).