Logística, Gestão de Estoques e Sistemas de Informação: Instrumentos Imprescindíveis para Eficiênci

Autor: Luiz Fernando Ballin Ortolani

 

Introdução

 

Este trabalho apresenta e desenvolve conceitos e temas relacionados a estoques e à sua gestão pelas organizações, abordando tanto o setor privado quanto o público. Descreve-se diferentes tipos de estoques, o dilema para o nível de estoque apropriado para a organização – pública ou privada - em função do processo de produção, da disponibilidade de produtos para os clientes e dos grandes impactos financeiros no seu desempenho.

 

Mecanismos para reduzir os efeitos negativos dos estoques nas finanças da empresa e para a melhoria da sua competitividade são apresentados: o Just in Time (JIT), a Postergação e a Resposta Eficiente ao Consumidor (ECR – Efficient Consumer Response).

 

O trabalho de Detoni1 foi utilizado como referência principal, complementado por artigos que relacionam o tema à satisfação do cliente e a outros importantes elementos do sistema logístico, especialmente o transporte e os sistemas de informações.

1 DETONI, M. M. L. Estoques. Florianópolis, 2001. Material não publicado.

 

Contextualizando: um pouco de história

 

Os padrões da economia atual enfatizam a diferenciação de produtos e serviços como uma das principais estratégias para a competitividade. Combinada com a atuação em nichos de mercado e atendimento de necessidades e expectativas dos clientes de forma personalizada, a diferenciação exigida promoveu a introdução de inúmeros novos produtos e itens complementares, aumentando significativamente a quantidade de opções de mercado em relação há alguns anos.

Como as necessidades e preferências dos clientes mudam, como ocorre constante evolução tecnológica, os produtos e itens componentes passaram a ter ciclos de vida menores. Tal fato exige grande atenção por parte das organizações para evitar que seus produtos, em qualquer etapa do processo produtivo ou da cadeia de distribuição, sejam considerados obsoletos, o que pode comprometer substancialmente a venda ou aceitação pelo mercado.

 

Outro fator importante no contexto dos estoques é o aumento da competição, local ou global, combinada com situações econômicas que estabelecem patamares para preços competitivos que, por sua vez, comprimem as margens de lucro.

 

Da administração pública são exigidas as mesmas práticas administrativas. Elas necessitam de materiais para seus processos produtivos de prestação de serviços ou na gestão de estoques que devem ser entregues à população. Para exemplificar, pode-se citar a questão de medicamentos adquiridos pelo governo para hospitais, prefeituras e para a própria população, munição para as instituições da área de segurança, dos esforços de Logística para uma campanha de vacinação.

 

Por isso, sintonia com a demanda do mercado, atenção às necessidades e preferências dos clientes, fuga da obsolescência de produtos e serviços, redução de custos para fortalecer a margem de lucro ou disponibilidade de recursos para atender outras necessidades da população ampliaram a importância da Logística nas organizações e, em especial, a gestão dos estoques.

 

Conceito e Tipos de Estoques

 

Estoques são todos os bens e materiais mantidos por uma organização para suprir demandas futuras.

 

Podem ser encontrados na forma de (tipos de estoques): matéria-prima, produto em processo (em elaboração/produção), produto acabado, materiais e embalagens e produtos necessários para manutenção, reparo e suprimentos de operações, não necessariamente utilizados no processo de fabricação.

 

O controle ou gestão de estoques compreende todas as atividades, procedimentos e técnicas que permitem garantir a qualidade correta, no tempo correto, de cada item do estoque ao longo da cadeia produtiva: dentro e fora das organizações.

 

A Dicotomia da Gestão de Estoques

 

Existem estoques ao longo dos diversos pontos da cadeia produtiva: no fornecimento de matéria-prima, no processo produtivo da empresa, nos canais de distribuição até o consumidor final. Existe muita variação da quantidade e natureza dos estoques em função do tipo de indústria na qual a empresa atua, do comportamento do mercado consumidor (expansão, estável, recessivo), do período ou sazonalidade das vendas, do acesso aos fornecedores.

 

Os estoques têm duas funções básicas: alimentar a produção ou suprir as vendas. Naquela função, visam permitir produção sem paradas - eliminando riscos de paradas na produção decorrentes de problemas no abastecimento – e melhorar a eficiência do processo produtivo – permitindo períodos mais longos de produção, considerados mais eficientes.

 

Na função de suprir as vendas, os estoques visam atender as flutuações da demanda e, por conseqüência, melhorar o nível de serviço ao cliente.

 

"É importante que as empresas atendam, de maneira personalizada e com agilidade, com os menores custos possíveis, as necessidades da cadeia de abastecimento para que não percam o timing de fornecimento do produto ao cliente, uma vez que este é um dos fatores preponderantes para a agregação de valor ao produto." (Ortolani, 2001)

Enquanto as funções acima induzem a adoção de grandes quantidades de estoques ao longo da cadeia produtiva, análises econômicas se contrapõem no sentido de reduzir ao mínimo possível a quantidade de estoques, buscando, se possível, a situação ideal de não se ter estoque.

 

A abordagem econômica dos estoques considera que existem custos associados e a empresa perde a oportunidade de outros investimentos de capital.

 

Os custos associados à manutenção do estoque (capital, armazenagem, movimentação, seguros, impostos, obsolescência, avarias e juros) geram despesas, que afetam o lucro da empresa.

 

O investimento em estoque influencia a rentabilidade da empresa ao absorver capital que poderia ser investido de outra maneira. É um valor muito representativo no balanço das empresas, onde aparece como um elemento do ativo circulante. É o elemento do mix logístico com impacto visível sobre o resultado financeiro da empresa.

 

Considerando a dicotomia pró e contra os estoques, o seu gerenciamento é elemento fundamental no processo de gestão das organizações.

 

Índices para Gestão de Estoques

 

A Gestão de Estoques tem reflexos diretos e significativos na eficiência operacional (desempenho) e nas finanças da empresa. Para apoiar o processo de gestão, os indicadores mais comuns são: Giro de Estoque, Prazo Médio de Estoque e Lote Econômico de Compra (LEC), conceitos definidos na literatura e amplamente aplicados pelas práticas empresariais.

 

O Giro do Estoque é um indicador financeiro que mede a velocidade com que alguns elementos (material/estoque) se renovam na empresa; o Prazo Médio de Estoque indica, na média, quantos dias um elemento (material/estoque) permanece em estoque ao longo do ano; LEC representa a quantidade ideal de compra, aquela que proporciona o menor custo de manutenção e o menor custo de aquisição do estoque.

 

Os indicadores variam em função da indústria, da complexidade de produtos, do comportamento do mercado e da Gestão de Estoques da empresa.

 

Just in Time e Postergação

 

São dois conceitos (conjunto de princípios e práticas) que podem ser adotados para reduzir significativamente os efeitos negativos dos estoques e melhorar o desempenho operacional, contribuindo para a competitividade da empresa.

 

O princípio do Just in Time (JIT) consiste na disponibilização do elemento (material, componente, produto) no momento em que ele é necessário, no processo produtivo ou nos canais de distribuição e venda. Pressupõe forte integração da empresa – internamente – e com seus parceiros – externamente – à montante e à jusante da produção. Há forte dependência das informações e previsões de venda e do transporte de materiais.

 

A Postergação (Postponement) consiste no adiamento da diferenciação a ser introduzida no produto final ao longo do processo produtivo ou da cadeia de distribuição. A diferenciação é introduzida no produto com base num conjunto de itens básicos padronizados, o mais próximo possível do consumo. Exige forte concentração e desenvolvimento no "Projeto do Produto" de maneira a permitir ampla variedade de produtos a partir da combinação de componentes básicos padronizados. Permite melhores previsões de venda ao se considerar os produtos padronizados e previsões para a diferenciação porque essas ocorrem mais próximas do momento do consumo.

Excelentes exemplos são citados em Detoni (2001): a BENETTON, que produz roupas com cores neutras, colorindo-as semanas antes do envio para os pontos de venda, de acordo com as tendências da moda; a CORAL tintas que, com recursos de tecnologia fabrica corantes e cores básicas, disponibilizando nos pontos de venda do varejo a possibilidade de criação de milhares de novas cores, segundo as preferências e exigências do cliente.

 

Resposta eficiente ao consumidor – o caso do Pão de Açúcar

 

Trata-se de uma derivação do conceito de JIT, cujo princípio é reposição do produto na prateleira à medida do consumo (venda). Na seção Ligação Direta, Cynthia Rosemburg (1999) apresenta o conceito de ECR (Efficient Consumer Response = Resposta Eficiente ao Consumidor) com base na experiência do Grupo Pão de Açúcar, do fabricante Gessy Lever e o sistema de transporte de mercadorias entre esses parceiros.

 

O cliente compra uma caixa de sabão OMO pela manhã de determinado dia. Ao passar no caixa do supermercado, através de código de barras e do sistema informatizado que suporta o processo, ocorre baixa do estoque. Ao atingir o nível de estoque de reposição, um pedido padrão é enviado automaticamente para a fábrica (Gessy Lever).

 

O pedido entra no planejamento e controle da produção da indústria, além de disparar solicitações de matéria-prima para a produção do novo lote de sabão em pó. Os fornecedores de matéria-prima, por sua vez, entregam-na durante o dia. Em paralelo, a indústria transmite um aviso para a transportadora, informando o horário que a carga estará disponível para transporte, avisando também o Centro de Distribuição (CD) do Grupo, onde ocorre uma reserva preferencial para descarga no horário já previsto pelo sistema.

 

O caso é demonstrado na figura abaixo:

 

 

 

 

 

Durante a madrugada, quando o movimento em São Paulo é muito menor e sem congestionamentos, o caminhão da transportadora carrega conjuntos padronizados (palletes) e se dirige ao CD. Após se identificar, tem preferência para ocupar uma plataforma de desembarque pois o pedido já foi identificado. Em função da uniformidade da carga segundo padrões da Logística, o desembarque é rápido, liberando o caminhão para outras entregas.

 

Para completar o ciclo, o pallete de sabão em pó é transportado do CD para a loja do supermercado, sendo depositado diretamente no ponto de venda, na manhã do dia seguinte. A reposição eficiente com base no que é vendido permite ao supermercado usar o espaço físico para acomodar mais produtos, assegurando a disponibilidade e variedade para o cliente.

 

Em todo o processo ocorre a redução de estoques, passando a produção a ser comandada pela venda ao consumidor final. Além disso, o caso apresentado destaca com propriedade aspectos de gestão. Nele, são aplicados conceitos da área da administração como: redução significativa de estoques, pelo menor tempo de reposição; melhor atendimento ao cliente, pela maior variedade e disponibilidade de produtos; produzir após vender, no caso da indústria; cargas e veículos padronizados, dentro das recomendações da Logística; redução de custos pela entrega de pedidos totalmente corretos.

 

Estoques na Administração Pública

 

A Administração Pública no Brasil está se retirando gradativamente do setor produtivo, situação que ainda acontece em alguns setores da economia. Na sua essência, serviço público, como o próprio nome diz, consiste em prestar serviços. Por isso, a função predominante na Gestão de Estoques no setor público é de alimentar a produção, no sentido de prover os materiais para a prestação dos serviços.

 

Enquanto o setor privado tem flexibilidade para escolher e negociar com seus fornecedores conforme o seu desejo, o setor público possui um componente adicional e grande delimitador a ser considerado: a legislação que, na grande maioria dos casos, exige a realização de procedimentos licitatórios para a seleção e compra (fornecimento) de materiais.

 

Todos os conceitos apresentados neste trabalho continuam válidos, mas deve-se considerar também a legislação que define o que pode ser feito. Em função dessa particularidade, os custos dos pedidos são muito significativos, além de ampliarem significativamente os prazos de reposição dos estoques.

 

Como não se pretende esgotar o assunto, mas apresentar algumas recomendações observadas que melhoram a gestão de estoques no setor público, destacam-se algumas medidas:

 

  • adoção de ordens de compras que permitam definir quantidades segundo a demanda (necessidade) de produtos e serviços. As ordens de compra são feitas aos fornecedores contratados mediante processo licitatório até limites definidos no contrato;
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  • entregas de pedidos nos locais de consumo ou de instalação;
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  • instalação e configuração de equipamentos e materiais necessários à prestação dos serviços pelos próprios fornecedores contratados;
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  • uso de licitações na modalidade Registro de Preços, na qual o fornecedor define o preço praticado por um período de tempo para produtos e serviços que fazem parte do objeto do contrato; quando ocorre a necessidade, procede-se a cotação de preços junto aos fornecedores cadastrados;
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  • práticas de leilão reverso através da Internet.
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É muito importante ressaltar que as medidas acima são alguns exemplos praticados, que atendem as exigências legais e melhoram a eficiência operacional dos órgãos públicos e do sistema logístico associado à prestação de serviços. Dentre eles, a questão dos estoques. Vale ainda lembrar que os conceitos relativos aos estoques continuam válidos e devem ser geridos pelos administradores públicos para proporcionarem melhores níveis de serviços aos seus clientes, os cidadãos.

 

Conclusão

 

Apresentou-se neste texto diversos aspectos dos estoques nas organizações, em especial no setor privado, mas não esquecendo do conceito em relação às organizações públicas.

 

Os estoques são muito importantes no processo de gestão da empresa, pela manutenção do processo produtivo, pela entrega de valor ao cliente e, principalmente, pelo impacto financeiro no desempenho da empresa.

 

É necessário ampliar a abordagem dos estoques considerando os custos logísticos totais, pois reduções nos estoques podem promover aumento de outros componentes do sistema logístico como: transporte, processamento de pedidos e vendas perdidas. A gestão de estoques pode ser oferecida como um serviço logístico mais complexo, com remuneração proporcional a esse diferencial.

 

Referências

 

[Det2001] DETONI, M. M. L. Estoques. Florianópolis, 2001. Material não publicado.

 

[Ros199] ROSENBURG, C. Ligação direta. Exame, São Paulo, ano 32, n. 8, p. 134-137, 21, abr.1999.

 

[Bov2000] BOVET, D. M.; THIAGARAJAN, S. Logística orientada para o cliente. HSM Management, São Paulo, ano 3, n. 18, p. 122-128, jan./fev. 2000.

 

[Det2001] DETONI, M. M. L. Operadores logísticos. In: NOVAES, A. G. Logística e gerenciamento da cadeia de distribuição. Rio de Janeiro: Campus, 2001. p.236-255.

 

[Int2000] INTERMANAGERS. O desafio da logística. jul./2000. Disponível em: <www.intermanagers.com.br/>. Acesso em: 31 out. 2001.

 

[Ort1997] ORTOLANI, L. F. B. Produtividade da Tecnologia da Informação: evidência e indicadores da administração pública no Paraná. 1997. 126 f. Dissertação (Mestrado) - EAESP, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo,1997.

 

[Ort2001] ____. Operadores logísticos. Trabalho Final (Disciplina de Logística) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis, 2001.

 

[Pei2000] PEIXOTO, P. D. Operadores logísticos. Trabalho Final (Pós-graduação em Engenharia de Produção) – Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis, 2000.

 

[Tor2000] TORRES, L.; MILLER, J. Alinhamento estratégico com o cliente. HSM Management, São Paulo, ano 4, n. 21, p. 64-70, jul./ago. 2000.