Orientações básicas para construção de Interfaces

 Autor: Adilson Fabris - GPS   

As noções que vamos ganhando da realidade do mundo e de nós mesmos elaboram-se em nossa mente através de imagens. Percebemos, compreendemos, criamos e nos comunicamos sempre por intermédio de imagens e formas.

A percepção encerra um processo altamente misterioso, que os cientistas ainda não sabem explicar: o da conversão de dados sensoriais em noções não-sensoriais. E vice-versa, a passagem do não-sensorial para novos dados sensoriais, a partir de uma condensação seletiva de estímulos. As imagens se transformam em significados. Inversamente, criamos imagens e formas para comunicar novos significados.

Este processo de busca de significações fundamenta-se em linguagens simbólicas, que procuram certas ordenações nos fenômenos para que façam sentido para nós. O sentido de proporções e ordenações significativas, de plena adequação das formas à sua matéria, de ritmos e equilíbrio, já está presente há cerca de 30.000 anos na História da humanidade, quando o homem descobriu que aqueles gestos seus, mal esboçados, podiam condensar-se, imobilizar-se e fixar-se em algum material: o barro, a pedra, a madeira. Num machado pré-histórico já é possível observar a harmonia do corte com a simetria das proporções. As pedras de que foi feito poderiam ser funcionais sem esta estranha necessidade de encontrar uma medida de ordem e de expressá-la em termos estéticos.

Se a História do homem, em sua evolução através dos tempos, está sintetizada na busca de formas harmônicas que encerram um ideal de beleza, é natural que a própria tecnologia contemporânea persiga um princípio de ordenação que não exclui o conceito de estética. Einstein afirmava que toda equação matemática está embasada, inicialmente, em uma manifestação do belo da qual não podia prescindir. Com a disseminação do uso do computador e com novas ferramentas automatizadas que permitem a manipulação de inúmeros recursos visuais, torna-se, a cada dia, mais imperativo que a mediação homem-máquina se articule sobre um arcabouço agradável ao olhar, aliando a funcionalidade da aplicação à harmonia dos elementos que a compõem.

Para atingir este objetivo, alguns conceitos genéricos podem ser observados quando da construção de interfaces gráficas. Logicamente, qualquer conjunto de regras a ser aplicado acaba cerceando a livre expressão da criatividade. Portanto, estas regras devem ser entendidas como orientações básicas para um esboço preliminar e podem ser adaptadas ou ignoradas conforme as particularidades de cada caso específico.

Uso de cores

Em nossa percepção, a cor é a primeira coisa que percebemos e a última que esquecemos. Portanto, ela é elemento fundamental na composição da interface. Embora o uso das cores obedeça, inicialmente, a critérios puramente subjetivos (norteados pelo gosto pessoal), algumas considerações devem ser feitas.

Algumas cores possuem efeito subliminar muito forte. Vermelhos e negros são cores que devem ser usadas com parcimônia, pois seu efeito psicológico está associado a situações de tensão. Verdes e azuis podem ser utilizados em larga escala, pois são cores repousantes para os olhos, já que as lentes do olho as focam diretamente sobre a retina. O marrom pode ser reabilitado: embora seu uso não seja freqüente, esta cor elimina a fadiga e estabiliza o humor. Por esta razão, é a cor mais recomendada para ambientes de trabalho.

O cinza, cor recorrente em muitas aplicações, merece uma ressalva. Esta cor é a mais simples para o olho enxergar (o olho humano consegue registrar 450 tons de cinza), já que é o conjunto de todos os comprimentos de onda do espectro da luz. A concentração visual e mental é substancialmente aumentada em ambientes cinza com baixa luminosidade. No entanto, em ambientes excessivamente iluminados, o cinza pode exercer efeito subliminar contrário, induzindo à depressão.

A cor branca pode ser usada sem economias porque, além de destacar as outras cores, deixando-as "respirar", detém o maior grau de descanso visual entre as cores do espectro.

Como interfaces monocromáticas não são comuns, o problema que se apresenta é como conciliar cores diferentes, causando um efeito agradável. O ideal é evitar a cacofonia visual do excesso de cores, alternando cores que sejam complementares (diametralmente opostas na roda de cores – fig.1 ) ou que sejam análogas (que estejam próximas na roda de cores – fig. 2). Deve-se evitar também o contraste excessivo entre cores quentes (derivadas do vermelho) e cores frias (oriundas do azul). Como cores quentes têm maior comprimento de onda, as lentes do olho precisam engrossar para poder lê-las. As cores frias (com menor comprimento de onda), por sua vez, afinam as lentes oculares durante sua leitura. O efeito visual resultante é um processo contínuo de avanço e recuo do olho que, embora cause belos efeitos de profundidade, acaba gerando grande tensão visual (para exemplos desta profundidade e desta tensão, ver reproduções dos quadros de Paul Cézanne).

Cores Complementares

Fig. 1

 

Cores Análogas

Fig. 2

Como se depreende das orientações acima, o elemento cor pode ser elaborado formalmente de determinadas maneiras específicas. Cabe ressaltar, contudo, que, em seu trabalho criador, o bom designer haverá de selecionar intuitivamente aquela relação colorística que mais se identifica com suas necessidades expressivas.

Distribuição de componentes

Em todas as formas visuais, a parte inferior significa para nós a base. É como se fosse a terra em que pisamos. Daí decorrem várias qualificações: imediatamente a margem inferior torna-se a linha de base. Em conseqüência disto, toda a área que a acompanha torna-se visualmente mais pesada (fig. 3). Assim, qualquer indicação visual que entrar na área baixa ficará carregada de peso, densidade e proximidade. Em contrapartida, a parte superior de uma forma é associada com céus, altura, transparência, distância e leveza. Tudo aí torna-se menos denso, quase imaterial, como se estivesse flutuando no espaço. Portanto, para conferir maior leveza à interface, deve-se evitar o agrupamento de elementos na base da tela.

Quando for necessário centralizar uma figura isolada na tela, o aumento de peso visual na base poderá ser compensado com o deslocamento do centro geométrico da tela (calculado pelo cruzamento davvs diagonais da figura - fig. 4) um pouco mais para cima. Esta compensação chama-se centro perceptivo e é impossível de ser calculado. Ele existe em termos qualitativos, não quantitativos e dependerá da sensibilidade do projetista estabelecer este centro perceptivo, sempre levando em conta a área concreta das configurações e sua escala física real.

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Esta assimetria de peso entre a parte inferior e a superior também é observada em sentido lateral. Quando olhamos para um quadro, não entramos nele, visualmente, pelo centro, nem mesmo percebemos a configuração desdobrando-se para os dois lados. Ao invés disto, intuitivamente, a percepção inicia seu caminho ao alto do lado esquerdo e, em movimentos sinuosos, passando pelo centro, ela se dirige ao canto inferior direito (fig. 5). Este fato diferencia os espaços laterais em termos de peso visual e densidade. O lado esquerdo sempre é percebido como sendo mais leve e como área de introdução de movimentos visuais, ao passo que o lado direito se torna mais pesado e mais denso, sobretudo perto do canto inferior. Portanto, novamente o agrupamento de elementos, para manter o equilíbrio da composição, deverá ser maior no lado esquerdo do que no lado direito.

NÃO

NÃO

 SIM

Fig. 5

Este deslocamento do olhar em forma de S invertido não depende de convenções culturais (sistema de escrita, já que a arte oriental se articula do mesmo modo, embora sua escrita seja realizada em sentidos diferentes) ou da habilidade mecânica do observador, já que canhotos e destros compartilham o mesmo procedimento de leitura de imagens.

Ritmos visuais

Já que a leitura da tela se dará em forma de S invertido, todos os componentes da tela deverão facilitar que o olho percorra este caminho, sob o risco de interferir no ritmo visual e no equilíbrio das formas. Portanto, é fundamental evitar a geometrização do design porque prejudica o deslocamento do olhar. Embora a tendência seja a distribuição de elementos de uma forma monolítica, geometria não se identifica com arte. Nem simetria se identifica com arte. A Teoria da Gestalt, criada na Alemanha na virada do século, tenta explicar esta propensão à ordenação simétrica. No enfoque da Gestalt, "o todo é maior que a soma de suas partes". Isto foi muito útil na teoria da percepção, pois o que se afirma é que a totalidade nunca é apenas uma adição de suas partes. Em vez de adição, o todo resulta da integração de suas partes. O todo constitui sempre uma síntese.

As afirmações gestaltianas foram muito úteis para o entendimento da leitura da arte, mas falhou ao eleger algumas formas simples e regulares com as quais podemos decompor todas as demais formas: reta, vertical, horizontal, diagonal, curva, círculo, quadrado, triângulo. Estas seriam formas primárias e são chamadas de formas "boas" da Gestalt. Um exemplo disto pode ser observado na figura 6. Nossa tendência é agrupar os pontos em formas geométricas e não a um sem-número de formas todas elas complicadas e improváveis.

 

 

 

Fig.6

Esta noção de formas "boas", de certas formas geométricas simples e regulares, é útil como referência espacial da percepção, mas é preciso não confundi-la com um "critério de arte", como alguns adeptos da Escola se apressaram em propagar. Em termos artísticos, não existem formas previamente classificadas como "boas" ou "más". Na arte, as formas boas são as formas expressivas, imbuídas de ritmo visual. Não se cogita a possibilidade de, na arte, haver formas expressivas e não-expressivas, já que formas não-expressivas são, por definição, destituídas de valor artístico.

Conclusão

A linguagem visual se estrutura a partir de cinco elementos básicos, que constituem os "vocábulos formais" de seu repertório: linha, superfície, volume, luz e cor. Com eles, estruturam-se todas as imagens de arte, de todas as épocas e culturas. Em si, isoladamente, estes elementos nada representam, nada designam ou significam. Eles apenas contêm certas potencialidades de configurar um determinado padrão quando relacionados entre si, cujas possibilidades formais são infinitas. Embora este artigo tenha a pretensão de orientar sobre o uso de alguns destes elementos, cabe ao designer definir qual é a melhor forma de expressar, graficamente, o objetivo de sua composição. Nesta autonomia, o curso de elaboração do design seguirá de formas possíveis para formas necessárias, sempre buscando a simbiose entre o funcional e o estético.

Observações:

1. Outras indicações sobre o uso de elementos gráficos podem ser obtidas no RNET – Versão 1.0.

2. Outras indicações sobre o uso de elementos gráficos podem ser obtidas no RNET – Versão 1.0. Outra fonte de consulta são os livros de Fayga Ostrower (sobretudo A Sensibilidade do Intelecto e Universos da Arte), de onde foi   extraída a maioria das informações contidas no texto.