Qualidade: primeiras reflexões

Autor: Hugo Eduardo Simião


Nunca se falou tanto de qualidade como nos dias atuais. Os meios de comunicação inundam nosso tempo com anúncios de produtos, que são sempre os melhores e os mais diferenciados. São cada vez mais freqüentes as notícias sobre empresas que se tornaram ou pretendem se tornar mais competitivas.

Por outro lado, crescem as notícias de empresas que fecharam as portas, de desemprego em alguns setores e até mesmo de um ajuste geral dos meios econômicos para reduzir o que é supérfluo e buscar maior produtividade.

É evidente que por trás de tudo isso existe uma sociedade que tem elevada necessidade de consumo, mas que tem seus recursos limitados pela crise econômica, de abrangência mundial.

O crescente desenvolvimento tecnológico, que ampliou extraordinariamente a quantidade de informação disponível na sociedade, contribuiu para desenvolver um alto espírito crítico nas pessoas, aumentando ainda mais a seletividade do mercado.

Nesse ambiente somente as empresas que conseguem um nível diferenciado de serviços conseguem prosperar, e só as que conseguem atingir e manter um nível de excelência têm alguma garantia de sobrevivência.

Já não basta fazer um bom produto. É necessário buscar excelência do serviço que quase sempre o envolve. É necessário ter competividade em qualidade, em preço e em serviço. E isso exige mudanças profundas na empresa tradicional, que afetam sua postura estratégica e de atendimento ao mercado, suas formas de relacionamento interno e externo e, conseqüentemente, sua organização e sua administração.

Mas, em épocas de crise sempre se abrem perspectivas de oportunidades fascinantes para quem estiver preparado para aproveitá-las. Se o antigo mercado se contrai, por outro lado surge um novo e imenso mercado, com novas características e demandas.

O ambiente empresarial, entretanto, está preocupado e perplexo ante a necessidade de promover as transformações necessárias, que parecem fora do domínio do conhecido e do controlado. Novas abordagens para o problema são apresentadas em profusão, e algumas antigas abordagens são reanimadas, mas os casos de sucesso se contam nos dedos, enquanto os fracassos se acumulam.

Nesse ambiente complexo a adoção de Programas de Qualidade parece ser a a alternativa para construir, no tempo permitido pela própria cultura organizacional, os alicerces de uma nova e adequada realidade empresarial e, mais do que isso, criar as condições para sua evolução.

Dentre as muitas definições de qualidade existe uma que achamos ao mesmo tempo simples e significativa.

"Qualidade é o que o cliente percebe sobre quanto a nossa solução resolve o seu problema".

Essa definição enseja um conjunto de conceitos de extrema relevância para a empresa que pretende atingir patamares diferenciados de qualidade. Primeiramente, nos sugere que a qualidade deve ser interpretada como uma "medida" de alguma coisa que fazemos. Depois nos fala de "percepção do cliente", ou seja, daquilo que ele, cliente, consegue ver ou sentir em uma determinada situação. Nos diz também que o cliente só está interessado no "seu" problema e em como ele pode ser resolvido. Quanto à "nossa" solução, ela só tem qualidade na medida em que atende satisfatoriamente a esses aspectos.

Olhando a qualidade como medida, há que se fazer uma ponderação. Enquanto na sociedade tipicamente industrial usam-se métodos quantitativos para aferir o rendimento,a produtividade ou o nível de erros, na sociedade de serviços o que vale é a aprovação do cliente, e isso geralmente só pode ser medido de forma qualitativa, exigindo uma aproximação muito maior com o mercado.

Um dos grandes erros que podem ser cometidos é o de centrar a atenção na mensuração aponto de constituir uma burocracia própria, destituída de sentido e grande consumidora de recursos. Einsten já nos alertava que "nem tudo que conta pode ser contado; nem tudo que pode ser contado, conta". É necessário que o sistema de medição parta do objetivo da informação que se quer obter e não da possibilidade de obtê-la.

No curso histórico dessas preocupações com qualidade várias foram as abordagens dominantes que, a seu tempo se constituíram em verdadeiros modismos. A primeira dessas abordagens, sem um nome definido e que vamos trata apenas como a "tradicional", foi a mais utilizada até a 2ª Guerra, e se apoiava nos conceitos de produção em massa ou linha de montagem de Ford, da administração científica de Taylor ou no estudo de tempos e movimentos de Gilbreth.

A segunda abordagem, que surgiu no pós-guerra, caracterizou-se pela ênfase no Controle de Qualidade, sendo seus principais conceitos estabelecidos a partir das idéias de Drucker e principalmente de Deming e Juran, na administração americana do general Douglas Mac´Arthur que iniciou a reconstrução do Japão arrasado pela guerra. Desse tempo a técnica mais famosa é sem dúvida a dos CCQ (Círculos de Controle de Qualidade), ainda muito utilizados.

A terceira abordagem, que surgiu no início dos anos 70, procurava evoluir do conceito de Controle de Qualidade para o de Garantia de Qualidade. As grandes novidades teóricas ficavam por conta da Administração por Objetivos de Drucker e outros, pela consolidação dos CCQ e pela aceleração do desenvolvimento japonês que culminaram com as teorias do Kaizen e TQC (Controle de Qualidade Total) principalmente.

Até esse momento a sociedade podia ser caracterizada como tipicamente industrial e a economia voltada para a produção. A partir daí consolidava-se uma economia de serviços em uma sociedade voltada para o conhecimento.

A quarta abordagem, já dentro desse novo conceito, caracterizou-se pela busca da Administração da Qualidade Total (TQM). Consolidava-se uma mudança de enfoque que já vinha sendo trabalhada: o processo de produção e não mais o produto final era o objeto das maiores atenções. Isso ocorreu mais ou menos no início da década de 80 e seus principais teóricos foram Peters, coma busca da excelência e Crosby com o "defeito zero".

O Japão chegou a dominar 30% do mercado automobilístico nos EUA. Nesse último país, hoje em dia apenas 13% da população ativa fabrica coisas e em um produto típico de alta tecnologia como um televisor, por exemplo, apenas 25% do seu preço final acaba ficando com a indústria.

Nesse contexto e´até absurdo separar a indústria manufatureira da indústria de serviços, que passa então a ser dominante, para não dizer exclusiva.

A quinta abordagem sobre qualidade, que é a atualmente discutida, apóia-se fortemente em aspectos como a satisfação total do cliente, a busca da Qualidade Total em Serviços (TQS), a Administração de Serviços e outras teorias que têm o cliente como ponto focal e não mais a produção, o produto ou a administração, como tem sido até agora.

A grande novidade desse enfoque em relação aos anteriores é a mudança cultural que ele exige das organizações, tanto do ponto de vista da sua administração como do ponto de vista da sua "produção".

O que seria então, nesse novo ambiente, um Programa de Qualidade?

Primeiro, é uma nova maneira de gerir a organização baseada em um forte envolvimento da administração, em todos os seus níveis, e de todos os funcionários, no objetivo comum de uma excelente prestação de serviços ao cliente.

Segundo, é um processo de transformação cultural da organização, baseado na conscientização e entendimento dos novos papéis de cada um, na adoção de atitudes adequadas que levem a uma mudança comportamental e na ênfase em fatos e resultados como orientadores da administração.

Terceiro, é a forma de execução de um propósito estratégico, constante e acordado em todos os níveis organizacionais, através do gerenciamento simultâneo e interdependente de produtos e processos.

Em suma, é uma abordagem organizacional global, que faz da qualidade do serviço, tal como reconhecida pelo cliente, a principal força propulsora do funcionamento da empresa.