Reflexão sobre formas de relacionamento Cidadão-Governo
A população brasileira tem aumentado ao longo dos anos (52 milhões em 1950, 70 milhões em 60, 119 milhões em 80, 147 milhões em 91 e 170 milhões em 2000 - Fonte sítio do IBGE em 22/07/04).
A massa de empregados do Governo, nos seus três níveis, tem crescido menos: eram 7.5 milhões em 92, 7.8 em 95, 7.7 em 98 e 7.9 em 99. Em 1950, os empregados da União eram 50% e em 1999 eram apenas 18% do total. (Fonte: estudo de Luiz Sugimoto, UNICAMP: <http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/187-pag02.pdf>. Acesso em 22/07/04).
Segundo o mesmo estudo, no Brasil os empregados públicos são 11,3% do total de empregados e 5,1% da população. Dados de alguns outros países como referência: Alemanha: 15,4 e 6,6. Canadá: 19,9 e 9,0. Japão: 7,0 e 3,6. Reino Unido: 16,9 e 7,4%, respectivamente.
Parece razoável que a oferta de serviços não precise ser acompanhada de contratação de novos empregados. Tal estratégia (contratar mais pessoas para oferecer mais serviços) vai contra as tendências da tecnologia da informação - vide o exemplo dos bancos - e no nosso caso, bate de frente com a Lei de Responsabilidade Fiscal. Além do que, é notória a necessidade de contratação do Estado Brasileiro em funções que prestem atendimento direto à população (médicos, enfermeiros, professores, policiais) e este é mais um fator pressionando a não contratação de empregados administrativos ou que trabalhem atividade-meio do governo.
Seja como for, parece consenso que o aumento na oferta de serviços públicos à população, precisa, em grande parte, ser tratado através da Tecnologia da Informação. Antes, a ressalva de que não se a olha como a panacéia, já que há problemas (o acesso dos mais pobres à ela, o analfabetismo digital,). Mas é uma saída, sem dúvida. Estatística da Febraban informa: o atendimento ao cliente na agência custa ao Banco cerca de R$2,00. A mesma coisa feita na parte externa da agência, por uma máquina, custa R$ 1,00. O mesmo atendimento, feito na casa ou no trabalho do cliente, custa ao banco R$ 0,13. Alguma dúvida sobre a ênfase dos bancos no uso da agência virtual?
O Estado Brasileiro sabe olhar para a TI quando isto lhe interessa. Veja-se o caso do IR, pessoa física: até 91, o contribuinte preenchia o formulário e entregava no Banco. Em 91, começou a possibilidade de entregar em disquete: 3% dos contribuintes usaram esta técnica. Em 97, começou a entrega via Internet: 470.000 usaram a modalidade. Em 99 foram 5,9 milhões; em 2001, 13 milhões; e em 2004, 18.2 milhões, correspondendo, neste caso, a mais de 97% dos declarantes. (Fonte: <http://www.mct.gov.br/Temas/info/Imprensa/Internet.htm>. Acesso em 22/07/04).
Estratégias
Diversas estratégias têm sido usadas: a primeira e mais bem sucedida é a da Receita Federal. Há uma explicação para isso, pois o público atingido pelo serviço está em forte maioria presente na Internet. É a classe média que se baseia na máxima de Mark Twain: Só há dois inevitáveis na vida: a morte e os impostos. Assim, o contribuinte comparece.
Outras abordagens de uso da TI no oferecimento de serviços à população, enfrentam problemas de outra ordem:
- Baixo acesso da população de baixa renda e/ou baixa escolaridade à Internet. Se bem que este acesso tende a crescer: quando os computadores do FUST estiverem em funcionamento, mais cidadãos entrarão na rede. Seja como for, dados do IBOPE/NetRatings informam que mais de 28 milhões de brasileiros adultos já entraram na rede;
- Baixa exigência do cidadão (notadamente o de baixa renda e/ou escolaridade) que tende a ver o serviço oferecido como uma dádiva do governo e não como um direito seu;
- Pouca capacidade da máquina pública (até por dificuldades no atendimento à demanda) em disponibilizar serviços;1
1 Há uma história real que ilustra este ponto: quando Carlos Lacerda era governador da Guanabara, na década de 50, em um dos primeiros programas de desfavelamento da então capital federal, o governo anunciou que não havia limite de recursos financeiros para o programa (é óbvio que o havia). A saída então foi exigir 42 documentos diferentes aos favelados para que estes se habilitassem ao programa.
- Questões legais (ainda que consuetudinárias) que exigem a presença física do interessado junto aos balcões do serviço público;
- O risco de mau uso, de fraude, de abuso, considerando o caráter puramente virtual das transações efetuadas. Aqui se inclui a ação e o cuidado contra os hackers, os criminosos virtuais e os sacripantas de toda espécie.
Uma outra saída presente em muitos estados brasileiros é a “praça de atendimento”. Neste local se concentra a atuação de diversas agências do Governo e, usualmente, o fator concentrante é o uso da Tecnologia da Informação. Já é um avanço em relação ao modelo tradicional, mas pelo menos duas críticas a ele podem ser feitas:
1. Em geral, estes centros estão localizados em pontos de grande concentração humana (cidades ou bairros). Assim, esta estratégia deixa de lado cidadãos residentes em espaços menos densamente povoados;
2. Ainda apresentam um agente público (às vezes terceirizado) como mediador entre o cidadão e o governo. Para os casos definidos em lei que isto é necessário, nada a acrescentar, mas certamente haverá casos em que o agente não é necessário.
A forma mais comum de uso da Internet para prestação de serviços de maneira global é a permissão de início dos processos burocráticos através do site do órgão fornecedor, permitindo que o interessado preencha documentos, vá ao banco para pagar as taxas e só depois se dirija presencialmente ao órgão fornecedor para concluir o processo. Já é um avanço limitar a ida do cidadão a uma vez. Antes eram várias. Mas, o que esta reflexão pretende provocar é um desafio para ir mais adiante, para ousar, com ousadia.
Ousando
Segue-se uma lista não completa e não bem elaborada ainda de possibilidades de aumentar a interação entre governo e cidadão na prestação de serviços:
Pagamento eletrônico
Quando até uma simples revista pode ser paga via TEF (transferência eletrônica de fundos) na banquinha da esquina, parece difícil aceitar a exigência da ida do cidadão ao banco para pagar as taxas. Novamente há questões legais em jogo (já que certos recolhimentos precisam - por lei - ser feitos em determinados bancos e/ou agências de governo), mas nada que não possa ser modificado. Talvez os governos brasileiros (estaduais, federal e quem mais se interessasse) pudessem construir uma agência nacional em condições de mediar recolhimentos de impostos e taxas através da Internet. Não é uma idéia nova, já naveguei em uma agência americana - que ainda por cima era privada - que se propunha a isso. (Só não lembro o endereço).
Interação inicial mais robusta
Os serviços atuais se limitam a permitir preenchimento e impressão de guias iniciais. Os sistemas poderiam prever um lote maior de tarefas a serem feitas pelo cidadão em casa. Um exemplo disto poderia ser a emissão de um número único a ser copiado pelo cidadão em um envelope, que seria remetido ao órgão original contendo os documentos que hoje são apresentados no guichê. A remessa poderia ser feita via Correio. Eventualmente, o próprio Correio poderia cobrar as taxas demandadas pelo serviço. Outra hipótese, é este envelope ser especial, vendido em bancas e lojinhas, e ser usado apenas para transações entre cidadãos e governos.
Uso dos correios
Os correios brasileiros gozam da confiança da população. Periodicamente as revistas semanais apresentam estatísticas nas quais, via de regra, o Correio ocupa o lugar principal. Eles já fazem o papel de banco em localidades pequenas, o chamado Banco Postal. Poderiam ser o braço de repartições e órgãos de governo, principalmente quando associados a sistemas informatizados que dêem suporte à prestação do serviço. Um agente postal poderia ser certificado para dar fé pública em determinadas transações. O próprio Correio poderia ser o local físico onde terminais Internet públicos fossem instalados.
Uso das lotéricas
Outro mecanismo de alta capilaridade, já utilizado por empresas de serviços públicos (luz e água) e bancos públicos (Caixa Econômica) no pagamento de contas e transações bancárias, são as lotéricas. Elas compartilham com os correios a habilidade e a capacidade de recolhimento de dinheiro. Estão presentes em todos os municípios brasileiros.
Iniciativas conjuntas
O uso de soluções baseadas em software tem um benefício inegável: a solução pode ser compartilhada entre Estados, Município e Governo Federal a baixos custos. Mais ainda, este tipo de iniciativa quase que está a pedir um trabalho de desenvolvimento compartilhado. Hoje, quando um estado enfrenta um problema qualquer, existem 25 outros problemas praticamente idênticos esperando para serem atacados. São os outros estados que usualmente têm a mesma estrutura, os mesmos problemas, as mesmas demandas e as mesmas dificuldades.