Selva de Pedra (uma crônica paulistana)

Autor: Maurício Stunitz Cruz - GAC  

Alguns sabem, outros não. Estou freqüentando um curso que me obriga a estar todas as quartas e quintas-feiras em São Paulo. Semanalmente, cumpro uma rotina digna de uma das maiores cidades do mundo. Na correria entre aeroporto, rodoviária, metrô, hotel e escola, sobra pouco tempo para qualquer outra coisa além de estudar. Mas, como já cantaram tantos poetas, no meio de São Paulo, dentre seu habitual caos urbano, tem muita beleza, poesia e... personagens. E basta um pouco de atenção para que sejam flagradas histórias belas, trágicas, cômicas, tragicômicas ou tudo ao mesmo tempo, agora. Dentre as diversas que já pude testemunhar, conto uma aos leitores do Bate Byte.

SELVA DE PEDRA (UMA CRÔNICA PAULISTANA)

Nas calçadas da rua Itapeva, entre a Avenida Paulista e a Rua São Carlos do Pinhal, existe uma espécie de praça da alimentação - um verdadeiro centro gastronômico a céu aberto. Ali é possível fazer uma parada para o café da manhã, almoço ou jantar, a preços módicos e com razoável variedade de escolha. Em uma única quadra você irá encontrar o Trailer da Paulista - um trailer que oferece do trivial cachorro-quente aos mais apetitosos quitutes doces ou salgados; tem também a barraquinha da mulher que vende pão caseiro; a senhora que faz tapioca doce ou salgada; a banquinha de frutas muito bem abastecida, frutas frescas e baratas; a Kombi do casal que vende biscoitos a quilo; a Kombi especializada em caldo de cana e pastéis, a cinqüenta centavos; a barraquinha lá da esquina, mais modesta, que concorre com seu cachorro-quente também a cinqüenta centavos; a minivan do Jorge Japonês, especialista em cachorro-quente, a barraca que vende sanduíche de carne louca.

Mas meu lugar favorito é a Fiorino Azul, do Cláudio; ali a população da área pode escolher entre o cachorro-quente com duas salsichas, pão com peito de frango desfiado ao molho de catupiry ou carne de panela desfiada com molho cheddar. Qualquer sanduíche, a um real (R$ 1,00!!!); e você ainda pode escolher entre pão francês e "dogui" (como é chamado o pão de leite). Quem achar essa oferta excessiva para apenas uma quadra, fique sabendo que todos os "restaurantes" vivem cheios.

Em uma dessas quartas-feiras, eu, na correria entre uma aula, registro no Formule 1 e outra aula, fui almoçar no Cláudio. Pois bem, após esperar minha vez - o Cláudio é concorridíssimo - estava sentado degustando o meu "dogui dogui" (cachorro-quente com pãozinho de leite). Sol de duas da tarde, dia bonito, movimento intenso, vejo um homem de mais ou menos 30 anos, malvestido, jogando punhados de milho na calçada. Segundos depois, algumas das milhares de pombas que infestam a região estavam em torno do homem comendo seu milho tranqüilamente.

Aquela cena singela me pôs a devanear sobre a vida. Do meu banquinho, degustando meu "dogui dogui", pensava no que faz um homem como aquele alimentar pombas em pleno centro da Paulicéia Desvairada? Ah, filosofava eu, a solidão do indivíduo nas grandes metrópoles, a inexplicável relação do homem com os animais, a poesia sobrevivendo entre blocos frios de concreto, a solidariedade em pleno coração financeiro da América Latina...

Quando ia dar mais uma mordida no meu "dogui dogui", escutei um barulhão vindo do local onde as inocentes pombinhas se banqueteavam. Um sujeito, obviamente cúmplice do alimentador de pombinhas, havia jogado um engradado por cima das pobres aves. O caçador urbano havia conseguido capturar três exemplares. Como um raio, o outro aproximou-se pilotando um carrinho de feira adaptado como jaula e, num piscar de olhos, os dois "enquadraram" as pobres aves que um dia inspiraram Pablo Picasso a representá-las como símbolo da paz. Após tão bárbaro ato, os dois foram-se embora sem dar a mínima para as testemunhas da cena.

Imediatamente os populares passaram a conjeturar o motivo daquela caçada implacável. Comentário do senhor que comia o seu segundo frango com catupiry:

  • Esses já garantiram o jantar de hoje.

Uma senhora com olhar piedoso disse que preferia acreditar que eles criassem as pombas para depois vendê-las na feira. Já um office-boy que esperava pelo seu "dogui dogui" disparou à queima-roupa:

  • Que nada tia, eles vão é vender galetinho no jogo do Coríntias hoje à noite lá no Pacaembú...

Após escutar tão sensatos comentários, olhei para o que restava do meu delicioso cachorro-quente e não pude deixar de comentar com meus botões:

  • Tomara que eles não sejam fabricantes de salsicha...

Ah! Esqueci de contar que, após as sete da noite, na Paulista tem duas barraquinhas que preparam, na hora, o tradicional yakisoba; para ser degustado com palitinhos e tudo! Opção a dois ou três reais. Já comi e garanto que não tem gosto de pomba...