Semiótica e informática, mais que uma rima, uma preocupação

Autor: Toshikazu Hassegawa

 

Resumo

Conceitua e traça um breve histórico da semiótica como ciência e filosofia, situando-a no contexto da informática, trazendo também novas considerações para os projetos de sistemas.

Palavras-chave: semiótica, semiologia, semiose, fenomenologia, linguagem, símbolos, sinais, Internet, interfaces, comunicação.

Introdução

Este trabalho pretende mostrar a importância do estudo e da compreensão dos conceitos de semiótica na informática. Erroneamente, a aplicação desta ciência tem sido mais associada ao estudo da linguagem falada e escrita, esquecendo-se que a informática é uma ciência que trata da informação e de suas implicações na sociedade e, como tal, também deve utilizar os elementos tomados por empréstimo não só da linguagem escrita, mas também da comunicação visual como ocorre neste instante na Internet.

2. O que é a semiótica?

Há alguns anos, estava em sala de aula aproveitando os últimos dez minutos para explicar a alguns alunos, futuros administradores, o conceito de bases numéricas. Não é uma das tarefas mais fáceis, já que nascemos e crescemos acreditando que só é possível trabalhar com os algarismos de 0 a 9. Alguns autores, aliás, creditam esta confusão ao fato de possuirmos cinco dedos em cada mão, tendo sido este o primeiro artifício utilizado para contar objetos, animais, etc. (Guimarães e Lages, 1984, p-4). A certa altura, ante olhares mistos de pavor e incredulidade, resolvi exemplificar com uma soma de números hexadecimais: F + 1 = 10. Por dentre as dezenas de cabeças que àquelas alturas acompanhavam a exposição junto ao quadro, duas perguntas me chamaram a atenção: “Professor, então F é uma variável cujo conteúdo é 9?” e “Como é possível somar uma letra a um número?”. Este fato tem se repetido com uma certa frequência e provavelmente se deva ao fato de ainda estabelecermos uma certa confusão entre o símbolo com o conteúdo. Além da quebra de paradigma, o fato mais significante no exemplo citado é que, sem perceber, naquele instante estava me utilizando de um conceito totalmente novo para mim - a semiótica.

A Semiótica, palavra proveniente da raiz grega Semeion (signo), pode ser definida como “a ciência dos signos e dos processos significativos (semiose) na natureza e na cultura” (Nöth1, apud Prates, p.1) ou de forma mais concisa, como a “ciência dos signos” (Santaella, p.7), sendo o termo signo utilizado aqui como sinônimo de linguagem, bem diferente da conotação mística comumente atribuída ao vocábulo. No entender de Lúcia Santaella (p.23-31), a semiótica pode ser considerada um ramo da filosofia, com o que concordam outros autores como Vita (p.5), que claramente situa a semiótica, juntamente com a gnosiologia, a lógica e a epistemologia dentre as disciplinas filosóficas. Estas teses são fundamentadas em Peirce (apud Santaella, p.27), para quem a semiótica, também chamada de lógica, tem como antecessoras a fenomenologia, a estética e a ética e resultante a metafísica. Para Décio Pignatari, a semiótica é simplesmente “a ciência que ajuda a ler o mundo” (apud Valente, p.25). O dia-a-dia é rico em exemplos de conceitos relacionados à semiótica. A unidade pode ser representada através do símbolo 1, em algarismos arábicos, ou através de I, na numeração romana (sem considerarmos outras formas de representação, como a escrita chinesa, por exemplo, em que é representado por um traço horizontal), e no entanto, todos se referem ao mesmo valor: um. A mesma relação podemos estabelecer também entre o som emitido pelas cordas vocais e o símbolo que o representa ou as placas de sinalização no trânsito e a mensagem que as mesmas contém.

1 NÖTH, Winfried (1995). Panorama da Semiótica: de Platão e Peirce. São Paulo: Annablume (p.19).

3. Breve história da semiótica

Um fato bastante interessante é que de forma curiosa as bases da semiótica foram lançadas quase que ao mesmo tempo, entre o final do século 19 e início do século 20, em três lugares diferentes: nos Estados Unidos, com Charles Sanders Peirce, na União Soviética, com Viesse-Iovski e Potiebniá e na Europa Ocidental, a partir de Ferdinand de Saussure no Curso de Lingüística Geral da Universidade de Genebra. Na verdade, esta gênese quase simultânea da semiótica em diferentes locais confirma a hipótese de que a proliferação de mensagens através da linguagem e códigos, iniciada a partir da Revolução Industrial, foi gradativamente atingindo grau de maturidade através da reflexão, tendo chegado ao que Santaella (p.15) chama de “consciência semiótica”. A partir desta consciência verificou-se a necessidade de uma ciência em condições de fornecer instrumentos de questionamentos e métodos para entender os fenômenos da linguagem.

Semiótica é sinônimo de semiologia?

Esta é uma questão em que os teóricos divergem bastante. Umberto Eco (p.1) considera ambos os termos sinônimos uma vez que não existe consenso entre os sentidos empregados pelos vários autores com relação a estes termos, embora ressalve a origem histórica de cada um: semiologia, de linha lingüístico-saussureana e semiótica, de linha filosófico-peirceana e morrisoniana. Esta tese é reafirmada por Décio Pignatari quando escreve que “na Europa, a semiótica é chamada de semiologia” (apud Deely, p.18).

O próprio Deely (p.18) no entanto discorda, citando Asa Berger para quem “a conquista essencial da semiologia é a tomada da lingüística como modelo e a aplicação de conceitos lingüísticos a outros fenômenos - textos - e não apenas à própria língua”. Para Deely, a conquista fundamental da semiótica consiste em situar a semiologia, enquanto fenômeno lingüístico, como um subgrupo dentro de uma área mais ampla que é o estudo dos signos.

2 PIGNATARI, Décio (1971). Informação. Linguagem. Comunicação. (5a ed. São Paulo: Perspectiva)

5. Aplicando conceitos de semiótica

Li há algum tempo atrás neste mesmo Batebyte, um artigo interessante da estagiária Ana Cláudia Ferreira Teodósio sobre a evolução das páginas na Internet. Segundo este artigo, nos sitesde terceira geração elementos iconográficos substituem textos inteiros que eram característicos dos sites de primeira geração, sendo o enfoque principal o design e não mais a técnica. O que se depreende da análise do breve texto é uma gradual passagem de uma forma de comunicação puramente textual para visual, utilizando conceitos de semiótica. De acordo com Peirce (p.46-76) signo ou representâmen é “aquilo que, sob certo aspecto ou modo, representa algo para alguém”. Desta forma, para que haja uma mensagem, é necessário, antes de mais nada que existam os três correlatos de uma relação triádica: o signo ou representâmen, o objeto a ser representado e o interpretante, que tanto podem ser seres vivos ou objetos inanimados, como o computador. De fato, a falta de qualquer um dos elementos desta relação triádica (como, o quê e para quem) resulta em comunicações incompletas, como acontece por exemplo quando o usuário (interpretante) não consegue entender determinados dados em relatórios ou telas de computador (signos).

Figura 1 - O triângulo de Ogden e Richards

Isto cria uma nova preocupação com relação ao interface homem - máquina em nossos projetos de sistemas - a clara interpretação do que realmente desejamos transmitir. Segundo Umberto Eco (apud Zotto), "a mensagem tem formas significantes que podem ser preenchidas com diferentes significados... Então cresce a suspeita que o emissário organiza as imagens televisuais baseado em seus próprios códigos, que coincidem com aqueles da ideologia dominante, enquanto que o receptor preenche isso com sentidos "aberrantes", de acordo com seus códigos culturais particulares".

A utilização de cores, a criação e o uso de alguns símbolos padronizados, como logomarcas, podem ser recursos interessantes para induzir o usuário à compreensão daquilo que queremos comunicar. Em outro artigo publicado no número desta revista, Adilson Fabris fala do uso das cores e da distribuição dos elementos visuais na criação de interfaces, o que vem ao encontro de pesquisas realizadas por diversos autores, como destaca Farina (p.101-122). Após diversos experimentos, Rorschach concluiu que a preferência pela cor indica que a pessoa é alegre, sensível, influenciável, propensa “à desorganização e a oscilações emocionais”. Por outro lado, quem reage à forma têm temperamento frio, controlado, introspectivo. Em outra pesquisa, Schachtel complementou os estudos de Rorschach concluindo que a reação às cores é passiva, isto é, “o indivíduo sofre a ação do objeto”, o que não ocorre com a percepção da forma, ativa, pois uma pessoa, ao perceber a forma tem como reação examinar o objeto, estudar sua estrutura e procurar uma resposta.

6.A semiótica e a comunicação

Segundo Kotler o processo de comunicação corporativa é “como um diálogo interativo entre a empresa e seus clientes que ocorre durante os estágios de pré-vendas, vendas, consumo e pós consumo”. Prosseguindo, Kotler afirma que o conceito de comunicação empresarial extrapola as plataformas tradicionais de comunicação (anúncios, outdoors, catálogos, material audiovisual, etc.), o que significa que fatores outros como opinião de terceiros, feitio e preço do produto, comportamento e apresentação visual do vendedor, imagem da empresa, etc. têm importância igual, senão superior, nos processos de comunicação da empresa. Como afirma Kotler, “todo contacto com a marca transmite uma impressão que pode fortalecer ou enfraquecer a visão do cliente sobre a empresa”, estando clara, portanto, a subjetividade e, por conseqüência, a existência de um processo de semiose na comunicação da empresa com seus consumidores.

Na visão de Fidalgo, “o lugar da semiótica dentro das ciências da comunicação depende do que se entende por comunicação. A comunicação é hoje um vastíssimo campo de investigação, das engenharias à sociologia e psicologia, pelo que as perspectivas em que se estuda podem variar significativamente. É certo que toda a comunicação se faz através de sinais e que esse fato constitui o bastante para estudar os sinais, sobre o que são, que tipos de sinais existem, como funcionam, que assinalam, com que significado, como significam, de que modo são utilizados. Contudo, o estudo dos sinais tanto pode ocupar um lugar central como um lugar periférico no estudo da comunicação”.

Figura 2 - Elementos do Processo de Comunicação 

Fonte: KOTLER

Fidalgo constata também a existência de duas grandes correntes de investigação nos estudos de comunicação - uma que entende a comunicação sobretudo como um fluxo de informação (escola processual da comunicação), e outra que entende a comunicação como uma "produção e troca de sentido" (escola semiótica). 

A idéia da comunicação como uma transmissão de mensagens surgiu pela primeira vez com Shannon e Weaver na obra denominada “A Teoria Matemática da Informação”, publicada em 1949. Na obra, apresentam o modelo de comunicação tal como o conhecemos, ou seja, a fonte coloca a informação num transmissor que a leva para um canal, este sujeito a ruídos, através do qual chega em um receptor que a repassa a um destinatário. É o mais simples dos modelos de comunicação, porém eficiente na identificação e resolução dos problemas técnicos da comunicação. Entretanto, segundo Shannon e Weaver este modelo não se restringe aos problemas técnicos da comunicação, uma vez que seria aplicável também aos problemas semânticos e pragmáticos da comunicação. De forma concreta, o modelo comunicacional de Shannon e Weaver, assumidamente uma extensão do modelo de engenharia de telecomunicações, identifica três níveis no processo comunicativo: 

1.técnico, preocupado com a precisão da transmissão dos sinais; 

2. semântico, relativo ao rigor dos signos transmitidos com relação ao significado desejado; e

3. da eficácia, relativo à eficácia com que o significado da mensagem conduz o destinatário da mensagem ao comportamento desejado. 

Elaborada nos laboratórios da Bell Company durante a Segunda Guerra Mundial, a teoria matemática da comunicação visa a precisão e a eficiência do fluxo informativo. A partir desse primeiro, foram desenvolvidos outros conceitos importantes para os estudos de comunicação tais como quantidade de informação, quantidade mínima de informação, redundância, ruído, transmissor, receptor e canal.

Para exemplificar os diferentes níveis de comunicação usando o modelo proposto por Shannon e Weaver, e o papel desempenhado pela semiótica neste processo, Fidalgo faz analogia dos meios de comunicação com o painel de instrumentos de um automóvel, mais precisamente com o indicador do estado do tanque de combustível, que apresenta valores entre vazio a cheio. O nível técnico diz respeito ao processo físico da medição do combustível no reservatório, envolvendo as bóias e a transmissão física, mecânica ou eletrônica, dessas informações para o painel do carro. Estão em jogo neste nível técnico as relações de causa/efeito e não questões de cunho semiótico.

Já a leitura do mostrador está no nível semântico do fluxo de informação - se a agulha está mais à esquerda ou mais à direita, indica respectivamente que o tanque está mais vazio ou mais cheio. Entretanto, para uma pessoa que não conheça o funcionamento de um carro, a posição do marcador de combustível não terá o menor significado. Isto nos mostra que no nível semântico vamos encontrar conceitos de natureza semiótica a começar da própria leitura e compreensão do mostrador, por si só um processo semiótico - o mostrador representa algo que não é ele próprio o estado do depósito. Neste caso, o nível de eficácia da informação fornecida pelo mostrador pode ser medido pela conduta do motorista - decisões sobre se há ou não combustível suficiente para chegar até o local desejado ou se há necessidade de abastecimento. 

As questões semióticas que se levantam nos níveis semântico e de eficácia no modelo de Shannon e Weaver têm importância secundária - a preocupação principal é a transmissão dessas mensagens. Questões como a formação das mensagens, sua estrutura interna, sua adequação ao significado, sua relevância, não são primordiais, partindo-se do pressuposto de que estas mensagens estão corretas quanto ao seu significado e qualquer outra conotação será sempre entendida como ruído. 

Em contrapartida, a preocupação principal do modelo semiótico de comunicação está na criação dos significados e formação das mensagens a transmitir. No entender de Fidalgo, para que se efetive uma comunicação é necessário antes “criar uma mensagem a partir de signos, mensagem que induzirá o interlocutor a elaborar outra mensagem e assim sucessivamente. As questões cruciais nesta abordagem são de cariz semiótico. Que tipos de signos se utilizam para criar mensagens, quais as regras de formação, que códigos têm os interlocutores de partilhar entre si para que a comunicação seja possível, quais as denotações e quais as conotações dos signos utilizados, que tipo de uso se lhes dá. O modelo semiótico de comunicação não é linear, não se centra nos passos que a mensagem, percorre desde a fonte até ao destinatário. A comunicação não é tomada como um fluxo, antes como um sistema estruturado de signos e códigos”. 

No modelo semiótico de comunicação, o conteúdo e o processo de comunicação são inseparáveis, condicionando-se reciprocamente. Conforme afirma Fidalgo, o estudo da comunicação passa pelo estudo dos signos utilizados e suas relações sígnicas, “dos códigos em vigor, das culturas em que os signos se criam, vivem e atuam. Quer isto dizer que o significado da mensagem não se encontra instituído na mensagem, como que seu conteúdo, e independente de qualquer contexto, mas que é algo que subsiste numa relação estrutural entre o produtor, a mensagem, o referente, o interlocutor e o contexto”. 

7.  Conclusão

Os analistas de sistemas, principalmente nós remanescentes do período cretáceo da informática, têm ao longo da vida profissional acumulado experiências que se constituem num dos principais alicerces na hora em que vão projetar seus sistemas. Conhecedores em profundidade dos negócios dos clientes, isto nos basta para projetarmos produtos que vão permitir aos usuários tomar decisões ou prestar melhores serviços à comunidade. De uma hora para outra, eis que surge no horizonte, acompanhando os ventos da Internet e dos recursos tecnológicos, um novo paradigma - comunicar muito a partir de pouco. Aquele breve caminho entre o dado e a informação - mera atribuição de um sentido lógico ao dado para transformá-lo em algo compreensível ao usuário do sistema - de repente se transforma em uma longa caminhada com muitos obstáculos. O projeto da interface não se limita mais a um simples conjunto de layouts de relatórios e telas, mas algo muito mais sofisticado que exige o conhecimento de conceitos de artes visuais e muitas vezes de música. Para atender tais requisitos, um novo profissional começa a participar das equipes de desenvolvimento de sistemas: o designer (sei de algumas iniciativas ocorridas na Celepar que contaram com a participação destes profissionais, embora não conheça o grau de participação dos mesmos nos projetos). Isto não significa, entretanto, que o analista de sistemas deva abdicar de suas responsabilidades como técnico criador de soluções e principal responsável pelas alternativas adotadas no projeto do sistema. A simples contratação do projetista gráfico para a elaboração da proposta visual, sem nenhum conhecimento nem compromisso com o uso do produto final, pode resultar em mais um “Frankenstein” cibernético, modernoso e efêmero, por conseqüência.

Referências

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