Tecnologia para a cidadania

Autor: Luiz Fernando Esteche

 

A chamada sociedade da informação e do conhecimento traz consigo impactos sociais capazes de levar a uma transformação maior que a produzida pela máquina a vapor. Um mundo baseado cada vez mais na troca de valores simbólicos, do dinheiro à informação, que em pouco tempo vai mudar o eixo da economia e o conceito atual de trabalho e valorizar o conhecimento e a aprendizagem mais do que tudo. A inclusão digital pressupõe uma série de outros objetivos conexos que não os meramente tecnológicos. É neste contexto que se sobressaem as políticas e as ações que visam combater a clivagem social trazida pelas novas tecnologias. Mas, como utilizar os avanços tecnológicos como fator de integração e de combate à exclusão? Quem responde a essa pergunta é o secretário de Assuntos Estratégicos Nizan Pereira Almeida, responsável no Governo do Paraná pelas políticas de inclusão social. Entre os vários programas de sua pasta ele se dedica à instalação dos telecentros Paranavegar, em especial nas regiões de baixo índice de desenvolvimento humano do Estado.

Nesta entrevista a Bate Byte, Nizan Pereira avalia os resultados obtidos até agora pelo Governo Requião na área tecnológica, a opção pelo software livre e as políticas sociais que ao seu ver não podem ser tratadas como temas marginais.

BB - Titular de uma Secretaria que centraliza a política sobre tecnologia da informação, como o senhor avalia os resultados obtidos até agora pelo Governo Requião nessa área?

Nizan - Inovação, ousadia e sensibilidade. Nossas ações na área da tecnologia da informação possuem essas características e eu estou muito feliz de poder compartilhar essa experiência. Eu sou médico, mestre em educação e foi durante meu mestrado que despertei para a importância da informação e da inclusão. Por isso, tenho muita tranqüilidade para afirmar que o fortalecimento da Celepar e a decisão sobre o uso e o desenvolvimento do software livre como opção tecnológica foram corretas. Hoje a Celepar atende a inúmeros órgãos de governo com soluções de ponta na área da tecnologia. Trata-se de soluções que permitem o Governo promover a transparência administrativa, prestar serviços de qualidade à população e incluir socialmente milhares de paranaenses através da informática. Por isso, os resultados obtidos pelo Governo na área da tecnologia da informação são altamente positivos. Estamos vivendo um momento que nos gratifica muito e, é claro, como toda conquista nos desafia a continuar buscando de forma permanente os meios adequados de desenvolvimento auto-sustentado onde todas as camadas sociais possam usufruir do conhecimento acumulado pelo esforço de todos. Quero dizer que hoje a Celepar tem um papel estratégico para as ações governamentais. E isso se deve também pelo esforço do conjunto de seus trabalhadores que souberam entender a proposta do Governo. É claro que podemos e devemos avançar ainda mais. Hoje a empresa está presente nas principais secretarias auxiliando na realização de inúmeros programas através do desenvolvimento de sítios, páginas e sistemas. Do ponto de vista mais específico da tecnologia, eu acho que a opção pelo software livre é um dado essencial no processo de desenvolvimento da Celepar. Os inúmeros prêmios que temos recebido Brasil a fora é o reconhecimento a esse trabalho.

BB - O Brasil tem se destacado como um dos principais países do mundo na opção pelo software livre e o Paraná como o principal Estado nacional onde efetivamente existe uma política governamental vinculada a essa opção. As razões do governo paranaense de adotar o software livre são apenas financeiras ou existem razões de ordem ideológica?

Nizan – A política tecnológica que o Governo do Paraná pratica hoje tem o reconhecimento de autoridades e instituições governamentais e não-governamentais em nível internacional. Os encontros e conferências que realizamos aqui no Estado para tratar do desenvolvimento e uso do software livre e a participação da Celepar nos fóruns nacionais e internacionais que tratam do assunto corroboram os acertos dessa opção e a qualidade das soluções feitas por nossa Companhia de Informática. Nossa experiência serve de modelo para outras administrações estaduais e, sempre é bom salientar, queremos compartilhá-la com quem tiver interesse. Não é para menos que semanalmente recebemos aqui na Secretaria e na Celepar a visita de usuários e desenvolvedores de vários cantos do Brasil e de outros países que vêm conhecer as soluções que desenvolvemos. Isto se deve ao redirecionamento estratégico da empresa e, sobretudo, à qualidade de seus técnicos que entenderam que o compartilhamento de informações também é uma condição para o próprio sucesso da empresa e, conseqüentemente, para seu próprio enriquecimento profissional. E isto faz parte de uma decisão política que nos orgulha muito. Sim, porque a política está na raíz de qualquer relação que as pessoas estabelecem entre si. No caso de uma empresa governamental isto tem um sentido mais amplo. Em todos os lugares, nos grupos sociais, as pessoas desenvolvem seus códigos, seus pactos, estabelecem limites. A política é feita nas nossas relações afetivas, na família e também na sociedade. E a natureza do software livre propicia o desenvolvimento dessas relações. E eu entendo seus fundamentos como uma forma de melhorar a vida das pessoas, pois antes de mais nada isto fortalece a nossa auto-estima. Hoje posso testemunhar a satisfação dos trabalhadores, não só da Celepar mas de todas as pessoas que trabalham com análise de tecnologia da informação no Governo, em lidar com essa tecnologia. Vejamos o exemplo do sistema de correio eletrônico batizado de Expresso Livre. Desenvolvido pelos técnicos da Celepar em cima de um modelo alemão, é verdade, mas aperfeiçoado com base em seus conhecimentos, esse sistema está sendo analisado como uma opção para empresas do porte da Caixa Econômica Federal. Isto não é pouca coisa. É preciso destacar que a opção pelo software livre também é um incremento à pesquisa, à investigação científica, ao desenvolvimento de nossa própria tecnologia. Além dos fundamentos econômicos, que permitem a liberdade de cópia, desenvolvimento, uso e aperfeiçoamento, o software livre tem esse caráter de cooperação, sem o qual acredito ser impossível construir um mundo melhor.

BB - Além de investir na reestruturação da Companhia de Informática do Paraná, Celepar, o atual governo criou a Comissão de Sistemas de Informações e Telecomunicações, cuja principal finalidade é estabelecer diretrizes e acompanhar a execução dos programas desse setor. Até que ponto o COSIT tem influenciado os núcleos de informática das secretarias e demais órgãos da administração estadual na hora de definirem suas opções tecnológicas?

Nizan - O COSIT é uma referência interna no Governo de seriedade, economia e tecnologia. Suas avaliações permitem tomar decisões acertadas na hora de decidir sobre a aquisição de softwares, hardwares e também para definir padrões tecnológicos. Essa é a primeira questão. E nós estamos vivendo nesse momento um salto de qualidade. Eu continuo acreditando que a dialética move as relações humanas e as relações que fazem com que o ser humano esteja na face da Terra. E nós estamos com o COSIT dando um salto de qualidade através da participação de representantes de vários órgãos governamentais. As plenárias abertas acontecem periodicamente. Dela participam o diretor-geral da Secretaria do Planejamento, o diretor-geral da Secretaria de Fazenda, o diretor-geral da SETI, o assessor especial do presidente da Copel, o secretário da Educação, o presidente da Celepar. Assim, temos a garantia de que todos esses segmentos, que são os mais ligados às questões do planejamento, dos rumos da economia, do orçamento e da própria tecnologia, podem tomar suas decisões com base em informações técnicas e econômicas, visando não só a racionalização de recursos mas a qualidade dos serviços, o que é fundamental.

BB - Um dos principais programas de sua Secretaria é o de inclusão digital através da implantação de telecentros em todas as regiões do Paraná. Qual é a avaliação que o senhor faz desse programa e quais os critérios para a escolha dos locais onde os telecentros são implantados?

Nizan - Existe um preceito constitucional que diz que nós temos que tratar de forma desigual aqueles que historicamente foram tratados de forma desigual. No fundo, o princípio da igualdade é entender as diversidades. É por isso que definimos no âmbito da Secretaria de Assuntos Estratégicos que os telecentros instalados no Estado deveriam ter esse aspecto de priorizar as localidades e grupos que mais necessitam de conhecimento para se desenvolverem. Foi assim que escolhemos os primeiros 40 municípios com os mais baixos índices de desenvolvimento humano onde se verificam a predominância de populações mais pobres, as altas taxas de evasão escolar, mortalidade infantil elevada, desemprego acentuado, com tudo que é decorrente desses indicadores, para a instalação dos telecentros. Não dá para falar em inclusão social sem falar em inclusão digital. Neste sentido, o trabalho do Governo é apenas o início de um processo que reconhecemos deve ser mais ousado. Para esse programa dispomos somente da estrutura da Celepar, que historicamente só esteve voltada para a ocupação eletrônica, depois processamento de dados, isto sem falar que a empresa precisou recuperar o tempo perdido no seu processo de desenvolvimento tecnológico devido à política de terceirização adotada pelo governo anterior. Se por um lado o número de telecentros ainda é pequeno, por outro trata-se de um movimento muito firme e determinado. Neste contexto, destaco o papel social que a Celepar tem hoje para alavancar a inclusão digital no Estado. Outra questão fundamental no programa é a participação da própria comunidade na gestão dos telecentros. Todos eles têm um conselho gestor que é eleito pela comunidade que é quem define as regras de funcionamento. O programa vive agora um outro desafio. Ele diz respeito ao conteúdo dos telecentros. Para isso estou propondo que cada unidade seja adotada por uma espécie de padrinho. Os técnicos da Celepar, das universidades, os especialistas em áreas específicas de processamento de dados, de confecção de páginas, na área de economia, podem contribuir com os membros dos telecentros, com os monitores, disponibilizando conteúdos. Mas já tomamos outras iniciativas. Um exemplo são as conversas que estamos tendo com o Ministério da Cultura que vai incluir os nossos telecentros nos chamados Pontos de Cultura. Isto possibilitará que nossos telecentros passem a receber de forma continuada conteúdos culturais de qualidade. A aproximação com os núcleos da Secretaria de Educação e dos professores é outra meta que vem sendo perseguida. Em nível estadual, o conteúdo do portal Dia-a-Dia Educação, também vai ter esse papel, a começar por incluir os professores que também nunca tiveram oportunidade de acesso à tecnologia da informação. De forma geral, gostaria de dizer que não basta o ambiente do telecentro em si com toda sua estrutura de rede, programas, impressoras, acesso individual à multimídia, etc. É fundamental que façam parte desse espaço cadeiras e mesas, com estantes e publicações, com murais de cortiça, com área para os usuários esperarem e fazerem algo útil conexo às atividades ali desenvolvidas, onde ocorra troca e socialização. Como geralmente o tempo de uso do computador, dada a enorme procura, é sempre curto para cada usuário, convém que um desempregado que vá fazer seu currículo no micro antes o rascunhe em papel, e nesse espaço fora do laboratório ele possa obter auxílios de quem tem mais experiência, ou uma senhora que ache receitas de culinária interessantes na Internet e as imprima pode depois compartilhá-las com suas amigas. Links e dicas de sites podem ser afixados nos murais e, acima de tudo, a troca de calor humano, piadas, histórias do dia-a-dia fazem com que a tecnologia seja mais uma ferramenta de relacionamento humano e que seja apropriada como tal. Num ambiente destes ocorre a multiplicação e democratização do acesso à informação mesmo para os que ainda não mexem no computador, ampliando enormemente o alcance da inclusão digital.

BB - Neste contexto, como fazer com que os telecentros não sejam apenas simples reprodutores de cursos de informática?

Nizan – É evidente que a expectativa inicial de lideranças e usuários em relação aos telecentros é a realização de cursos. Nós acreditamos, todavia, que um lugar que reúne uma dezena de computadores precisa servir para outras coisas além das de realizar cursos de editores de texto, de planilhas, tabelas, gráficos e sobre como navegar na Internet. É evidente que a disputa pelos postos de trabalho faz com que esses cursos também sirvam para a obtenção de um certificado, de um diploma, como uma forma de melhoria da condição profissional. Mas nosso desafio vai além disso. Nós queremos, e estamos fazendo isso, combater a “maldição” do formato taylorista e fordista de transmissão de informações que não assegura a construção do conhecimento e, ao contrário, promete demagogicamente uma capacitação que o formato de tempo disponível e a qualificação dos envolvidos não atende. Claro que um telecentro é um espaço de aprendizagem, mas a mesma dá-se de forma diferenciada do ambiente escolar, da sala de aula. Ocorre na resolução de problemas significativos, com apoio de monitores e com a participação dos demais usuários, numa verdadeira rede local humana de aprendizagem cooperativa, focada nos contextos significativos do uso das aplicações, sejam para navegar na internet para fazer um boletim eletrônico ou tirar uma segunda via de conta telefônica ou para usar um processador de textos para redigir o currículo e enviá-lo por e-mail. Cada uma destas tarefas exige um acompanhamento pedagógico individualizado que não pode ser feito na forma de curso, embora este último atenda as expectativas imediatas de usuários e a distribuição de certificados mostre mais rapidamente um resultado, porém muito mais próximo da demagogia do que da real apropriação do conteúdo.

BB - Parece consenso que os programas de inclusão digital são capazes de cumprir inúmeras tarefas sociais, entre elas o de acabar com o analfabetismo funcional e o digital. No caso paranaense, qual a real transformação que se espera na sociedade com o uso da tecnologia da informação?

Nizan - Aquilo que a classe média e os ricos já têm há trinta anos. A ciência da computação está presente na vida social há muito tempo, apesar de fazer parte de nosso cotidiano apenas há três décadas, assim como a Internet está presente na vida dos mais ricos e da classe média já há um certo tempo. Nesse período houve um tratamento desigual e nós temos, agora, que compensar para fazer com que a própria Constituição seja respeitada. Assim, o fato dos mais pobres passarem a ter acesso a essa tecnologia faz com que eles comecem pelo menos a ter uma vida de cidadãos, que as classes média e rica já têm há muito tempo. O fato deles poderem elaborar um simples currículo para disputar uma vaga no mercado de trabalho sem dependerem de um despachante, de poderem comunicar a perda da sua carteira de trabalho, de poderem se comunicar com pessoas ao longe, são procedimentos simples mas importantes na vida dessas pessoas. O ser humano possui inúmeras necessidades que a tecnologia da informação pode saciar. Os diferentes grupos étnicos têm o direito de buscar suas origens, de localizar o ramo de sua família na Itália, na Alemanha, no Japão. Tudo isto faz parte da vida e as pessoas têm esse direito. As crianças e os jovens têm o direito de usar o computador para praticar jogos educativos. Os filhos das classes de maior posse e os da classe média fazem isso. Cabe ao Estado garantir que os filhos das famílias pobres também tenham acesso aos benefícios que a tecnologia da informação proporciona.

BB - Sua pasta também tem uma atuação muito forte no combate às diversas formas de exclusão social, com políticas voltadas para os portadores de deficiências físicas, às diversidades raciais, étnicas, sexuais e políticas. Quais são as principais ferramentas utilizadas pelo Governo do Paraná para enfrentar a exclusão desses setores?

Nizan - Não há razão para você ser um administrador público em um país como o Brasil se você não estiver voltado para o grande desafio do século XXI que é olhar para a diversidade brasileira. O Brasil é o país com maior diversidade do mundo. Isto pode ser uma grande desvantagem como é em outros países, onde ainda persistem lutas étnicas, religiosas, regionais e até corporativas. Essa pode ser uma grande dificuldade, mas cabe a nós administradores públicos, políticos e cidadãos transformar essa dificuldade em uma grande oportunidade de integração. Aquilo que hoje ainda aparece de forma velada, de forma cínica e hipócrita, que está por trás da falsa cordialidade na relação dos brasileiros, muitas vezes esconde práticas de racismo. E não é só em relação aos negros, pois existe racismo e preconceito em relação aos indígenas, aos descendentes de orientais, notadamente os japoneses que são vítimas de piadas de mau gosto. Existe racismo em relação aos descendentes de árabes e judeus. O racismo, infelizmente, é uma chaga e é preciso colocar o dedo nessa ferida. Ninguém fala nisso, mas o Estado Novo puniu as pessoas simplesmente porque eram descendentes de alemães. A questão do preconceito está latente em nossa sociedade, em relação à diferença racial, diferença entre os sexos, diferença regional. Esse desafio nós vamos ter que enfrentar. Eu tenho dito para os meus alunos, especialmente para os que entraram na Universidade pelo critério das cotas para os negros, para que eles não se acomodem e acreditem que os problemas do mundo estão resolvidos somente porque conseguiram ingressar numa Universidade. No caso dos cotistas, eles mais do que ningúem têm a obrigação de encarar a diversidade. Não podemos admitir nenhuma espécie de preconceito, seja em relação às mulheres, seja com qualquer tipo de orientação sexual. É por isso que a Secretaria de Assuntos Estratégicos além de ter uma inserção forte nas questões relacionadas à inclusão digital também tem se dedicado aos programas de inclusão social, especialmente aqueles que estão voltados aos setores que são vítimas de toda a espécie de preconceitos. Nós temos, por exemplo, uma assessoria especial só para tratar dos assuntos indígenas, que não é uma assessoria simplesmente de assistência, que é função da Funai, mas de acompanhamento das questões relacionadas ao índios. Nós promovemos, por exemplo, o treinamento de 50 indígenas que vão participar de um encontro mundial que vai discutir a biodiversidade. Hoje nós mantemos uma relação estreita e parceria com a Universidade Federal do Paraná para o acompanhamento dos estudantes negros que desenvolvem um magnífico trabalho de prevenção à Aids em várias regiões do Estado. Enfim, temos várias intervenções nos programas de desenvolvimento do Vale do Ribeira, nos programas de capacitação dos monitores dos telecentros. Também temos dispensado atenção especial para a área cultural no sentido de resgatar valores étnicos e promovê-los através da realização de apresentações. Agora mesmo estamos organizando um espetáculo somente com músicas oriundas da grande nação Guarani, como a guarânia e o rasqueado.

BB - As políticas sociais quase sempre foram tratadas no Brasil como questões marginais, vinculadas ao assistencialismo. De que forma é possível superar essa situação e construir uma rede social emancipadora?

Nizan - Eu tenho a seguinte impressão: o Brasil possui uma ampla massa de pessoas que sequer têm condições, neste momento, de exercer sua cidadania . São as crianças que nesse momento estão passando fome, que estão fora da escola. Aqui no Paraná cerca de 25% de sua população, mais ou menos, estão abaixo da linha da pobreza. São pessoas que necessitam de uma intervenção direta do Estado para terem pelo menos direito à energia elétrica e a água tratada dentro de suas casas. Essas famílias precisam receber leite, as crianças têm que receber uniformes. Nós precisamos criar oportunidades para essas pessoas. Tendo oportunidade essas pessoas vão poder se integrar ao mercado, transformar-se em força produtiva. E ao se transformarem em força produtiva vão produzir para quem? Eu acho que quando a gente cria programas como os de inclusão digital, incentiva as pequenas e micro-empresas, reconhecidamente as principais geradoras de emprego e, principalmente, possibilitando a capacitação profissional dos jovens nós estamos auxiliando essas pessoas a não dependerem mais das políticas assistencialistas.

BB - Nas últimas décadas percebe-se o avanço gradual da sociedade civil, principalmente das ONGs, nas disputas para a sua admissão nas esferas de decisão. Até que ponto essas entidades não estão substituindo o papel do Estado?

Nizan - As ONGs existem porque o Estado nem sempre funciona. A essência do ínicio das ONGs era assim: nas áreas de governo que não funcionavam as pessoas se organizavam para poder atender quem precisava. Elas têm origem nas antigas entidades de benemerência que geraram as organizações como a Santa Casa de Misericórdia e outras entidades filantrópicas. Em pleno século 21 continua sendo assim. Ora, quando a gente vê que as ações dessas entidades são as que mais recebem prêmios mundo a fora, o que a gente vê é que o Estado não está cumprindo com suas obrigações. Por outro lado, precisamos avaliar as ONGs por outro aspecto, que é o aspecto da democracia. A partir do momento que um grupo de pessoas se organiza para criar uma entidade sem a intervenção do Estado, para finalidades específicas, seja para lutar por questões relacionadas ao meio ambiente, aos portadores de necessidades especiais, à geração de emprego e renda, isto possibilita o exercício da solidariedade, o que é muito importante. Agora, o fato de muitas dessas entidades serem financiadas com recursos públicas requer um maior acompanhamento, assim como os demais poderes também precisam ser fiscalizados. Por esse aspecto, as ONGs são reproduções do exercício do poder político tal como ocorre na esfera governamental.

BB - Do ponto de vista econômico e social dá para afirmar que vivemos num país democrático?

Nizan - Democracia pressupõe oportunidades para todos. No Brasil uma grande parcela da população não tem oportunidade nenhuma, vive de forma humilhante, depende de esmolas, de favores, às vezes caindo na violência. Então, por esse aspecto não vivemos num país democrático. Agora, do ponto de vista político nós vivemos numa democracia. É claro que temos que aperfeiçoar nosso sistema, discutir os direitos dos cidadãos, discutir a forma deles participarem. Nós já abrimos muitos canais para que isso ocorra, mas precisamos avançar mais. Eu creio que a consciência sobre a necessidade da participação avançou muito nos últimos anos. Democracia nunca é demais.