Uma abordagem didática sobre o uso de planilhas eletrônicas nas tomadas de decisões
Introdução
Estava eu ministrando uma aula sobre Tabelas de Decisão na disciplina de Sistemas de Informações para alunos do curso de Administração de Empresas, quando um deles me perguntou porque, na aula passada, eu havia proposto um trabalho em equipe (para ser entregue dali a uma semana) usando o Excel, se essa planilha já estava “fora de moda”, e que alguns de seus colegas nem sabiam usá-la. De repente eu me lembrei do fato, inclusive de um episódio um tanto quanto insólito, fonte de inspiração para este artigo: naquela ocasião, alguns alunos realmente contestaram a idéia de usar o citado software para resolver o trabalho por mim proposto. Nesse ponto da presente aula retomei à discussão da aula anterior, decidido a provar àqueles alunos o quão essa ferramenta, boa e barata, era importante para os administradores de empresas, no Brasil. Na realidade, a colocação daqueles alunos não era uma coisa pontual, pois a maioria dos profissionais recém-formada desconhece o potencial das planilhas eletrônicas como ferramenta no auxílio de suas rotinas diárias que envolva algum tipo de tomada de decisão. É óbvio que existem outros softwares bem mais poderosos e mais sofisticados (também muito mais caros) que o nosso Excel. Porém, na verdade, o que falta à maioria dos estudantes é o hábito de ler, e em particular os assuntos ligados às estatísticas relacionadas às empresas do país. Segundo o SEBRAE, cerca de 85% dos empregos no Brasil são gerados pelas micros, pequenas e médias empresas; e desse total, 90% está concentrado nas micros e pequenas empresas. Desse modo, não é difícil entender porque é importante considerar o Excel uma boa opção de Tecnologia de Informação (TI) na geração de relatórios, planilhas, gráficos, etc. Sobre isto, até aqueles alunos que haviam contestado, concordam, pois esse software sempre foi considerado apenas para esses tipos de trabalho. Porém, é justamente nesse ponto que as coisas devem ser esclarecidas: planilhas eletrônicas têm um potencial muito além do fato de serem ”apenas” planilhas eletrônicas; elas podem muito mais. Para os administradores, em particular, essa ferramenta, quando bem empregada, pode ser de extrema utilidade nas tomadas de decisão; e foi justamente por isto que eu havia falado nela naquela aula.
As pequenas empresas brasileiras têm no Excel uma boa opção para ser usada nas tomadas de decisão, sem necessitar de investir muito em sistemas caros e sofisticados, que podem, até, comprometer a sua atividade-fim. E isto deve ficar bem claro para os futuros administradores, pois é nesse tipo de empresa que a esmagadora maioria deles irá trabalhar depois de formados, e não nessas empresas citadas em revistas internacionais que movimentam milhões de dólares, que têm milhões de ações em Wall Street, que encampam outras grandes empresas, que pagam fortunas a seus executivos, etc. Tudo isto é muito bonito, mas bem distante da nossa realidade tupiniquim, onde as empresas lutam apenas (e tão somente) para pagar menos impostos e sobreviver às constantes mudanças na legislação, e incertezas sobre respostas às perguntas do tipo: “será que a CPMF se tornará um imposto definitivo?”, “Como podemos vender mais com baixos investimentos?”, “Será que dá para usar aquele velho Pentium 133 como servidor da nossa rede?”
Vamos aos fatos: naquela aula eu havia proposto um problema sobre uma pequena empresa (fictícia), como trabalho em equipe, que em resumo era para verificar como as vendas de determinado produto variavam com os investimentos feitos em marketing durante um período de doze meses. No trabalho proposto eram apresentados numa tabela (reproduzida aqui na figura 1) o total investido em marketing e o respectivo valor obtido na venda do produto para cada mês pesquisado, durante o período de Maio de 2002 a Abril de 2003, com a informação adicional de que durante o mês de Maio de 2003 a empresa não havia investido nada em marketing, e como conseqüência imediata as vendas do produto haviam caído cerca de 95% em relação ao mês anterior. O que foi observado na prática (colocado como outra informação adicional no trabalho) é que as vendas do produto eram fortemente influenciadas pelo seu marketing. Na realidade, o que eu estava querendo era mostrar que o marketing, mesmo em pequenas empresas, é muito importante, e pretendia demonstrar isto com o auxílio de uma ferramenta que pudesse ser adquirida por uma micro ou pequena empresa, sem grandes investimentos. Isto é, a idéia planejada para a aula, era mostrar como o gerente de uma empresa brasileira poderia tomar uma decisão baseada numa ferramenta que é (ou pelo menos deveria ser) do conhecimento de qualquer aluno de um curso superior. As questões colocadas no trabalho eram basicamente três:
- Qual seria a função que melhor representaria a lei de dependência entre o investimento feito em marketing e seu respectivo retorno em vendas?
- Se a empresa tivesse 3.000 (o máximo que ela poderia dispor) para investir a cada mês em marketing, qual seria a venda esperada?
- Qual seria o menor valor a ser investido em marketing para que a empresa mantivesse um mínimo de vendas?
Assim, resolvi interromper a aula sobre Tabelas de Decisão e propus à turma resolvermos (em conjunto) o trabalho proposto, usando o Excel, para mostrar o quanto é tranqüilo o uso dessa ferramenta em questões simples de tomadas de decisão, como naquela situação apresentada.
Análise e solução do problema
Primeiramente traçamos o gráfico do tipo Dispersão para ver como se comportavam os pontos obtidos entre as duas grandezas medidas: Investimento em marketing (eixo X) e Vendas Obtidas (eixo Y), o que resultou no gráfico da figura 2. Em seguida, usando a opção “Adicionar linha de tendência”, passamos a testar várias curvas; entretanto, as que mais se aproximaram dos resultados obtidos na pesquisa foram as do tipo Linear e Polinomial (de ordem 2 e 3), vide gráficos das figuras 3, 4 e 5, respectivamente.
Analisando os três gráficos obtidos (figuras 3, 4 e 5), ficamos em condições de responder às perguntas solicitadas, de acordo com o seguinte:
Figura 1 - Dados coletados na pesquisa realizada
Figura 2 - Gráfico de Dispersão obtido com os valores observados na pesquisa
Figura 3 - Gráfico de Função Linear
Figura 4 - Gráfico da Função Polinomial de Ordem 2
Figura 5 - Gráfico da Função Polinomial de Ordem 3
1. Para um Investimento de R$ 3.000,00
a) Usando a Função Linear:
Y = 552,1*3000 – 479212 = 1.177.088
b) Usando a Função Polinomial de Ordem 2:
Y= 0,3481*(3000)2– 470,9*(3000) + 183442 = 1.903.642
c) Usando a Função Polinomial de Ordem 3:
Y = 0,0002*(30003– 0,6204*(3000)2 + 858,09*(3000) – 382275 = 2.008.395
2. Para minimizar o investimento (X), o valor das vendas (Y) deve ser considerado zero.
a) Usando a Função Linear
0 = 552,1X – 479212 ==> X = 479212/552,1 ==> X = 867,98
b) Usando a Função Polinomial de Ordem 2.
0 = 0,3481X2 – 470,9X + 183442
Empregando a fórmula de Báscara para resolver a equação do 2º Grau:
Delta = B2– 4*A*C ==> Delta = (–470,9)2– (4 * 0,3481*183442) ==> Delta = –33677,83
Delta < 0 ==> Não existem raízes reais que satisfaçam à equação (observem que na Figura 4 a curva não corta o eixo X)
X1 = {–(–470,9) + [(–470,9)2–4*0,3481*183442]1/2}/2*0,3481
= {470,9 + [–33677,83]1/2}/2*0,3481 ==> X1 = 470,9 + 183,51i (Raiz Complexa)
X2 = {–(–470,9) – [(–470,9)2– 4*0,3481*183442]1/2}/2*0,3481
= {470,9 – [–33677,83]1/2}/2*0,3481 ==> X2 = 470,9 – 183,51i (Raiz Complexa)
c) Usando a Função Polinomial de Ordem 3 (empregando o Método de Tartaglia para resolver a equação).
0 = 0,0002X3– 0,6204X2 + 858,09X – 382275
0 = X3– 3102 X2 + 4290450X – 1911375000
X1 = 762,58 (Raiz real) ==> Solução aproximada do problema.
X2 = 1169,71 + 1066,88i (Raiz complexa)
X3 = 1169,71 – 1066,88i (Raiz complexa)
Conclusão
A conclusão a que chegamos foi que, do ponto de vista puramente matemático, a curva que melhor ajustaria a relação entre o investimento e as vendas obtidas seria representada pela Função Polinomial de Ordem 3, como ficou demonstrado, em função de dois fatos:
- O coeficiente R-quadrado (R2=0,9967) é o maior entre todos eles, o que, em princípio, é um indicativo de bom ajuste da curva aos pontos obtidos na pesquisa;
- A curva dessa função é a única compatível com a situação “real” descrita pelo problema, pois é a que fornece o valor mais próximo da realidade (R$ 762,58) com relação ao mínimo de investimento necessário para se obter um mínimo de vendas.
Entretanto, é importante frisar que, mesmo com a ajuda de uma planilha eletrônica (ou de qualquer outro Sistema de Apoio à decisão - SAD), a palavra final deve ser do gerente; é ele quem deve tomar a decisão, seja numa empresa de porte pequeno, médio ou grande. Desse modo, propus à turma algumas questões para serem analisadas: Será que daria para considerar, sempre, essa mesma curva obtida (teoricamente) em todas as tomadas de decisão na relação Investimento x Vendas, ou seria mais prudente realizar mais pesquisas durante um período mais longo para ver se confirmaria essa lei matemática? Será que não seria mais correto introduzir novas variáveis na pesquisa para se compor uma situação em que pudessem ser aplicadas leis econométricas mais abrangentes?
De qualquer forma, o Excel é sempre uma primeira escolha na solução de problemas semelhantes ao que foi proposto. Didaticamente, foi apenas uma “desculpa” de professor para mostrar aos alunos a importância do administrador nos processos de tomadas de decisão, e que essa ferramenta deve ser sempre considerada como uma boa opção, podendo auxiliá-los na solução de problemas em situações do tipo aqui simulada.
E quanto à nota do trabalho (principal preocupação dos alunos) ela é importante, sim; mas nem tanto!